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Foto do escritorMatheus Mans

Um mergulho na literatura de Manuel Bandeira, o poeta de muitas faces


Outro dia, aqui no Esquina, recebi um embrulho da Editora do Brasil. Inesperado. Abri e ali continha um livro de capa vermelha, formato alongado. No título, 'Minha Pasárgada'. Assinando o texto, apenas o nome Rosinha. Aquilo me cativou. Fui atrás, tentei entender. Os poemas ali contidos eram simples, mas não simplórios. Havia uma riqueza de olhar e de suas palavras.


E que surpresa ao descobrir que 'Minha Pasárgada', na verdade, é uma coletânea de poemas inspirados em Manuel Bandeira. Sim, o Bandeira. Autor modernista, mas que havia se revelado para mim de outra forma. Nada a ver com o que estava impresso ali, nas belas letras de Rosinha. Comecei a questionar, a ler mais a obra do autor pernambucano. E foi aí que descobri.

Material de divulgação de 'Minha Pasárgada'
Material de divulgação de 'Minha Pasárgada'

Bandeira, ainda que integrante do movimento modernista de 1922, era um escritor de muitas faces. Não se encontrava num gênero, nem em um formato. Explorou, sentiu, saboreou cada tipo de poesia, cada formato de texto. Tem a ver com o que Rosinha escreveu, assim como tem a ver com o que estava marcado em minha memória. Manuel Bandeira, afinal, é um autor complexo.


As experimentações de Bandeira


Pode-se dizer que Bandeira, dentro da poesia brasileira, foi o seu autor mais eclético, mais plural. Afinal, de alguma maneira, o escritor pernambucano passou "do soneto ao verso livre, do haicai ao rondó, da balada ao rondel". Não se limitava em um formato. Se tinha uma inspiração ou um sentimento que precisava encontrar o frio do papel, ia de encontro ao que sentia.


As mudanças vinham também em suas temáticas. Nada de se entregar em apenas um assunto ou história. Lírico de alma e modernista na prática, Bandeira falou sobre suas dores, seus amores, seu medos e receios. No lindíssimo poema 'Pneumotórax', por exemplo, viveu um humor entristecido. Em 'Ubiquidade' e 'Velha chácara', encontrou um lirismo bucólico e atípico.


Abaixo, leia os versos mais conhecidos de Bandeira no lindo e divertido poema 'Pneumotórax':

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: — Diga trinta e três. — Trinta e três… trinta e três… trinta e três… — Respire. ………………………………………………………………………. — O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. — Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? — Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Ou seja: por mais que não tenha se entregue completamente ao modernismo ardente, como o fez Oswald de Andrade e Mário de Andrade, Bandeira era modernista em suas atitudes, escolhas, percepções. Ousou e experimentou. Não quis ser enquadrado. Usou suas memórias, falou de "brasis" que já não existiam. Transbordou emoções, pensamentos, sensações e vidas.


Não dá, assim, para compreendê-lo totalmente lendo apenas cronologicamente. Bandeira não é um autor que funciona assim. Por isso, inclusive, indico 'Testamento de Pasárgada', da Global Editora, que dá uma visão temática sobre a obra do pernambucano e, com textos e introduções de Ivan Junqueira, fica mais compreensível e saboroso mergulhar na obra completa do poeta.


Entenda Bandeira


Mas para entender Bandeira e essas suas mil faces -- por mais que sempre concentrado em temas simples, da vida cotidiana -- é preciso entender sua vida. O poeta nasceu num Brasil que, hoje, apenas se imagina. Não tinha telefone, não tinha carros nas ruas. Televisão, nem pensar. Rádio, naquela época, podia ser considerado item de luxo em algumas cidades ou regiões.


Afinal, nasce em 1886. Viria a assistir duas Guerras Mundiais. Foi diagnosticado desde cedo como tuberculoso e, por isso, achava que ia morrer a qualquer momento. Falou de doenças, de morte, de respiração -- vide 'Pneumotórax'. Viu o mundo viver, morrer, renascer. Por isso, ao invés de se concentrar em temas globais e massacrantes, continuou a olhar pra vida simples.


Além disso, por ter vivido tanto em tão pouco tempo, não se enquadrou. Não ficou com medo. Trouxe várias temáticas, experimentou, viveu. Por isso é tão difícil identificá-lo de uma vez só.


Isso, é claro, não impediu que colocasse um verniz de dor nas histórias que contava. Pelo contrário: por mais bem humorado que parecesse um poema num primeiro momento, sempre acaba chegando uma nostalgia perdida, dor reacendida, um medo pungente. Seja mais lírico ou moderno, curto ou longo, divertido ou sério. A dor sempre acabava surgindo aqui e acolá.


E assim como seu quase xará, Manoel de Barros, deu vida às coisas, à natureza. Entendeu as pessoas e o seu entorno. E o melhor de tudo: traduziu essa sua visão privilegiada em poesia.

O cacto Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária: Laocoonte constrangido pelas serpentes, Ugolino e os filhos esfaimados. Evocava também o seco Nordeste, carnaubais, caatingas… Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais. Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz. O cacto tombou atravessado na rua, Quebrou os beirais do casario fronteiro, Impediu o trânsito de bondes, automóveis, carroças, Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas privou [a cidade de iluminação e energia: – Era belo, áspero, intratável.

Obviamente, há uma distância temática e até estilística de Barros. Mas veja como Bandeira transfere sua dor -- seja pessoal ou externa -- para um objeto inanimado. Veja como sua visão de mundo, por mais que esteja focada em algo aparentemente desprezado, ganha força. Ganha sentido. Ele vivia em mutação. Mas é possível encontrar, nas letras, o que havia dentro de si.


Dor e piedade


O que se vê como uma frequente nos textos de Bandeira, então, é uma dor seguida de piedade. O pernambucano, afinal, não apenas coloca nos versos o que está vendo. Mas, também, o que está sentindo. Não importa o tempo, a forma. Essa era uma constante de Bandeira, que poderia até mesmo estar escondida nos recônditos de suas palavras. Surgia de alguma forma na poesia.


Conforme ressaltado pelo professor Bernardo Souto no excelente artigo que você pode ler aqui, havia uma "piedade cósmica bandeiriana". Ou seja, um "sentimento que nada mais é, ao cabo e ao fim, senão uma compassione, ou seja, um imenso desejo de unir-se ao todo. Bandeira queria viver aquilo, sentir, mudar. E isso fica flagrante em textos como 'O Cacto' e 'Velha Chácara':

A casa era por aqui… Onde? Procuro-a e não acho. Ouço uma voz que esqueci: É a voz deste mesmo riacho. Ah quanto tempo passou! (Foram mais de cinquenta anos.) Tantos que a morte levou! (E a vida… nos desenganos…) A usura fez tábua rasa Da velha chácara triste: Não existe mais a casa.. – Mas o menino ainda existe.

Bandeira redescobre o tempo, entende a passagem do tempo. E por mais poético, emocional e nostálgico que seja o sentimento, há dor envolvida. Bandeira vive aquilo. E traduz no poema.


Para entender mais Bandeira


Não sou formado em Letras, nem dou aulas de Literatura. Sou um apaixonado por Bandeira, por seus poemas e letras. Por isso, se quiser se aprofundar mais no escritor e em seus textos, dou algumas dicas. Para ler sobre os estilo de Bandeira, clique AQUI. Sobre o lirismo, AQUI. Sobre a temporalidade de Bandeira, AQUI. E, abaixo, a leitura de um poema por Antônio Abujamra:

 
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