1. História
Em Trânsito, logo de cara, tem uma sacada muito boa. Se passa na Europa dos dias atuais e, ainda assim, vê-se uma invasão nazista em curso. É como se a Segunda Guerra Mundial fosse transposta para a atualidade, sem estranheza. Nesse cenário, acompanhamos a história de Georg (Franz Rogowski), um homem que tenta fugir da França após a invasão nazista. Nesse processo, ele acaba roubando os documentos de um poeta morto e, quase sem querer, assume sua personalidade. E ele entra tanto no papel desse literato que, em determinado momento, acaba até se envolvendo romanticamente com a esposa do falecido. Ou seja: é um filme tipicamente kafkiano.
2. Distopia
Como já ressaltado, Em Trânsito se passa numa Europa moderna, mas mergulhada no nazismo. Dessa maneira, o filme acaba se tornando uma distopia, mas sem as características que fazem esse subgênero conhecido. Não há roupas e visuais extravagantes (Jogos Vorazes), não há comédia subversiva (Laranja Mecânica), nem é a adaptação de uma HQ ou livro infantojuvenil de sucesso (V de Vingança). É um distopia escrita e dirigida pelo ótimo Christian Petzold (Barbara, Fênix) e que foca num aspecto inédito para o gênero: a situação dos refugiados na Europa. A metáfora é fina, elegante, e consegue ter mais impacto do que obras que escancaram a crítica em cada cena.
3. Atuações
Num cenário tão diferente e diverso, é preciso que os atores estejam naturais para que o espectador entre de cabeça na história. E, boa notícia: Franz Rogowski (Victoria) e Paula Beer (Frantz) estão ótimos em seus papéis. Ele convence como um homem perdido, sem esperanças e sem identidade própria, que tenta sobreviver numa Europa que sai em verdadeira caça às bruxas -- ou, melhor, caça aos refugiados. Ela, enquanto isso, vai bem como uma mulher que não consegue lidar com o abandono. A culpa a rodeia a todo momento e isso, de certa forma, impede que ela prossiga sua vida com sua identidade.
Mas, porém, todavia, entretanto...
O filme é muito, muito bom. Mas nem tudo são flores. O texto de Petzold é exageradamente literário. Tudo bem, com certeza é proposital. Mas, em certo momento, foge do limite do aceitável. A coisa fica tão artificial que se torna difícil acompanhar o longa-metragem -- algo, afinal, que é necessário para que a história como um todo faça sentido. Não estraga o filme, longe disso. Mas deve diminuir o impacto para grande parte do público, que não se sentirá confortável com esse tipo estranho de narrativa.
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