O trecho inicial da música Tijolo Por Tijolo , de Alcione, em que fala: “Lage de cimento, teto de estrela/Sopra aquele vento pela janela/Sob o firmamento posso encontrá-la/Vê-la viva ali, naquela viela”, é uma bela metáfora da jornada da personagem Cris Martins, influenciadora digital e um pouco de faz tudo, moradora de Ibura, um bairro periférico de Recife, que é retratada no hábil documentário Tijolo Por Tijolo, de Quentin Delaroche e Victória Álvares. O filme abriu a mostra competitiva de longas do Olhar de Cinema na quinta, 14.
Durante um pouco mais de dois anos, o casal de realizadores documentou a vida da família de Cris Martins, mãe de três filhos, e que engravida do quarto do marido, Albert Ventura, no início da Pandemia de Covid-19, em 2020. Ainda por cima, ela teve que abandonar sua casa que corria o risco de desabar. Cris vai morar na casa da mãe e começa sua luta para reconstruir sua moradia e tentar fazer uma cesárea para que finalmente consiga realizar a tão almejada laqueadura.
O filme utiliza diversos dispositivos para documentar o cotidiano desta família, em meio a luta incansável de Cris para sobreviver. Com habilidade espantosa, a dupla de cineastas registra o dia a dia dessa família como se não estivessem ali. Fica a sensação para o espectador que existe uma câmera invisível acompanhando tudo, uma câmera indiscreta instalada o tempo todo junto dessa família, que capta em tempo real a batalha ferrenha dessa mulher negra, cheia de humor e de esperteza para não se deixar desanimar e seguir em frente.
Além dessa câmera “orgânica”, os realizadores, conforme contam na entrevista que o Esquina fez logo após o debate do filme na quinta de manhã, 15, deixaram um celular para que um dos filhos da Cris, Caique de Souza Ventura, registrasse esse cotidiano quando eles não estivessem presente (segundo eles contam, Caique registrou 20 horas). Outro recurso eficiente utilizado no documentário Tijolo Por Tijolo, são os materiais que Cris, uma influenciadora digital amadora, produz no celular dando dicas e fazendo gracinhas sozinha ou com alguém da família.
O humor entra como um respiro diante de tantas dificuldades que o país impõe a essas famílias pobres brasileiras, ainda mais sendo famílias negras que precisam enfrentar todo tipo de infortúnios e de preconceitos. É um filme que denuncia esse estado de coisas, mas que não vitimiza seus personagens, pelo contrário, mostra a inventividade e o talento dessas pessoas para driblarem essas barreiras, seja no esforço individual ou no coletivo (uma das partes dramáticas do filme é quando alguns bairros da periferia de Recife sofrem desabamentos e dezenas de pessoas morrem e o coletivo é a salvação).
Abaixo segue a entrevista com os realizadores Quentin Delaroche e Victória Álvares, que fizeram antes o documentário Bloqueio, e estão montando seu novo filme em parceria Pulso.
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