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Foto do escritorMatheus Mans

‘Sol e Sonhos em Copacabana’ transporta leitor para início do século XX


Muito antes de João de Barro e Braguinha a chamarem de “princesinha do mar”, a praia de Copacabana era um grande nada em meio à efervescente cidade do Rio de Janeiro. Muitos acreditavam que a região -- hoje nobre e ponto de referência -- estava fadada ao fracasso devido ao tipo de terreno e sua localização frente aos locais de interesse de outras épocas. No começo do século passado, no entanto, um local encontrou seu berço na praia: o cabaré Mère Louise.

Próximo ao Posto 6, o Mère Louise era um verdadeiro cabaré à moda francesa. Tinha jantar e danças típicas, além de um grande número de “figurões” da época que por lá circulavam. Era um ponto de encontro. E é lá que se passa grande parte da história de Sol e Sonhos em Copacabana, romance do mineiro Aliel Paione que une realidade com História para compor uma narrativa impressionante e muito relevantes passada nos tempos da Velha República brasileira.

No centro da história, Jean-Jacques Chermont Vernier, um jovem diplomata francês que se muda para o Brasil para trabalhar na Embaixada da França como consultor econômico. Nos tempos livres, ele explora o Rio de Janeiro para pintar algumas paisagens naturais, como a praia de Copacabana, e se divertir um pouco, é claro. Numa de suas andanças, acaba indo parar no Mère Louise, onde se apaixona por uma das garotas de lá. E assim começa Sol e Sonhos em Copacabana.

A escrita de Paione é interessante por dois motivos. O primeiro é a forte capacidade em contar histórias de maneira leve e fluída, mesmo inserindo dados históricos e informações sobre a política e a economia do País no período. Além disso, o mineiro cria personagens reais, que ressoam em tramas brasileiras clássicas de Machado de Assis à Aluísio Azevedo -- guardadas as devidas proporções, é claro.

A intensa pesquisa de Paione também fica evidente com o passar das páginas. A descrição de ambientes históricos, como o próprio Mère Louise, criam uma imersão que só ajuda na contextualização da obra e no mergulho aos seus personagens ficcionais. É um recurso poderoso e muito bem utilizado por Paione. “Eu sou um estudioso da História do Brasil. Tenho, portanto, muitíssimas informações na cabeça", conta o escritor em entrevista ao Esquina.

Ao fim da leitura, fica um gostinho de “quero mais”. A história é deliciosa de ser lida e todo o poder narrativo de Paione ajuda o leitor a se transportar para o período retratado, do início do século passado. Sol e Sonhos em Copacabana é uma grata surpresa e uma indicação certeira para os que procuram bons romances brasileiros sem perder informações históricas importantes. E, se quiser saber mais um pouco sobre o autor e a obra, leia a entrevista do Esquina.

 

Esquina: Como foi o processo de escrita do livro? De onde surgiu a ideia? Quanto tempo levou para completar a obra?

Aliel Paione: Como o pessoal do cinema novo dizia, “uma câmara na mão e uma ideia na cabeça”, eu poderia parodiá-los para, “um teclado sob os dedos e uma ideia na cabeça”. Ou seja: eu tinha uma ideia do que desejava e desenvolvi o texto, que persegue os objetivos, mas com flexibilidade, variações que dependem das circunstâncias que surgem durante a narrativa e que estimulem mudanças no roteiro original (em certas partes do texto). Não concebo nada rígido. A ideia surgiu ao ler uma reportagem sobre um cabaré, o Mère Louise, que existiu em Copacabana, no atual posto 6. A isso, somava-se meu descontentamento com os rumos do país. Pensei, então, em colocar dentro deste cabaré os legítimos representantes de nossa tragédia social, metaforizado pelo senador Mendonça, amante de uma mulher lindíssima, Verônica, e narrar criticamente a atuação e as consequências das ações deste político (bem atual) sobre os destinos do Brasil. Gastei cerca de dois anos para completar a obra.

O livro contém muitas detalhes específicos sobre o início do século passado. Como foi pesquisar e organizar tantas informações e detalhes?

Eu sou um estudioso da História do Brasil, que é o meu hobby, tenho, portanto, muitíssimas informações na cabeça. Em vista disso, a maioria dos acontecimentos estava já armazenada. Pesquisei poucas coisas, como a Copacabana da época e outros detalhes relacionados, não só a Copacabana, mas também a Campinas e São Paulo. Não foi difícil organizá-los, pois se encaixavam naturalmente em cada parte da narrativa.

Quais são suas influências literárias?

Adoro Dostoievski (o maior de todos, do qual conheço a obra completa), Eça de Queiróz, Balzac, Proust, Tolstoi, Machado, Vitor Hugo, Zola, Camus, enfim, literatura clássica. São escritores geniais, e, portanto, eternas fontes de inspiração. Amo também Filosofia e História.

Posso estar errado, mas vejo cada vez menos livros que resgatam o período que Sol e Sonhos em Copacabana retrata. Cada vez mais vejo literatura contemporânea olhando para o futuro e para um presente caótico. O senhor acha que há pouco interesse na literatura em voltar para esse período?

Talvez tenha razão nesse aspecto, porém, eu vejo a literatura como um mergulho na alma humana, e o fato da narrativa transcorrer numa certa época não é relevante para o que se pretende dizer. Todos os meus personagens são conflituosos, depressivos e angustiosos como se vivessem no mundo atual, que leva as pessoas a serem assim. E nem poderia ser diferente, pois todos eles saíram da minha cabeça, que sofre as consequências do presente caos, como bem o disse. Portanto, um sujeito que descreve hoje um cenário antigo, ou futurista, estará sempre narrando sua própria angústia contemporânea, ou sofrendo a influência do meio em que vive. Por exemplo: o meu personagem, senador Mendonça, eu o imaginei como um político que viveu no século passado, porém sob influência direta do momento em que vivemos no Brasil... O século passado é apenas um pano de fundo para se discutir aspectos atuais, ou efetuar uma crítica da sociedade contemporânea. Mendonça é corrupto porque nossos políticos de hoje o são. Jean-Jacques é assassinado porque hoje os ideais estão sendo mortos. A crítica ao capitalismo aparece devido à sua atuação nefasta atual. E acho muito legal que as pessoas se sintam comovidas com a morte de Jean-Jacques (e muitos leitores não a aceitam), porque, sendo ele um idealista, tal comoção sinaliza resistência ao fim das utopias, que são o que movem o mundo.

O senhor mescla elementos históricos – como o cabaré – com ficção. Contar histórias assim, misturando realidade com imaginação, aumenta a responsabilidade sobre o livro? Ou é mais seguro criando paralelos com o mundo real?

Penso que, se se baseia em alguns fatos reais, eles deverão ser fielmente relatados porque não podemos inventá-los. Nessas partes da narrativa devemos então ter responsabilidade de relatá-los com fidelidade. Já na parte imaginária, ou fictícia, podemos ter a liberdade necessária para criá-la. Não acho que seja mais seguro ou menos seguro criar paralelos com o mundo real, desde que se respeite o que foi dito acima. Por exemplo: entre 1898 e 1902 o presidente do Brasil era Campos Sales, época em que se inicia o romance. Eu não poderia dizer que o presidente era o marechal Hermes da Fonseca (1910-1914)...

O livro do senhor não se prende apenas num romance, mas instiga uma reflexão sobre política e a economia da época – fazendo, inclusive diálogos com a situação do país atualmente. Como o senhor vê, então, a importância de resgatarmos o passado, por meio da literatura, para entendermos o nosso presente?

Pois eu vejo essa abordagem como muito importante e muito válida, e o objetivo do romance é exatamente este: através de uma narrativa romanesca efetuar um crítica que ligue nosso passado histórico e econômico ao momento atual, ou seja: como é sabido, para se entender o presente é necessário conhecer o passado, o que é verdade. O romance, portanto, deve ser lido e apreciado tendo-se essa visão. É claro que talvez a maioria dos leitores não tenha a perspicácia de fazer essa análise como você fez, mas o objetivo foi instigá-los a ter um pensamento crítico, a pensarem sobre isso.

Quais são os planos do senhor? Já pensa em novos livros?

Este romance, Sol e Sonhos em Copacabana, é o primeiro de uma trilogia. Ele continua com “Sol e Sombras em Goiás”, que já foi escrito e que estou revisando. Pretendo lançá-lo brevemente.

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