Lá pelos idos de 2016, os cinéfilos paulistas estranharam quando o tradicional Cinema Caixa Belas Artes anunciou que a Sala 3 deixaria de ter cadeiras convencionais. No lugar, poltronas de automóveis antigos dariam o tom do ambiente, que ainda ganharia uma decoração vintage e um bar nos fundos da sala, que prepararia petiscos ao longo de toda sessão. Tudo que os mais conservadores não gostam em um cinema -- não é à toa que alguns chamaram o lugar de “terror dos cinéfilos”.
A ideia, porém, logo foi abraçada por um grande número de pessoas, que se reuniam no local para ver filmes esquecidos em nossa memória, como Hellraiser, O Grande Lebowski, Peixe Grande e Suas Maravilhosas Histórias e até It: Uma obra-prima do medo. Tudo em uma sala nostálgica, com ar de anos 1980, e preço de ingresso módico. Era uma experiência divertida e que deixava o dia das pessoas mais leve.
No entanto, neste domingo, 24 de abril, a Sala Drive-In está chegando ao fim. O Belas Artes irá exibir o último filme, Elis, às 20h. Depois disso, o cinema começará a tirar as poltronas e desfazer toda decoração. O bar será fechado. No local, voltarão as cadeiras convencionais e a Sala Drive-in voltará a se chamar Sala 3, como era antigamente. Nada de diferente, nada de nostálgico. Apenas mais um espaço do Belas Artes, que contará novamente com as suas 6 salas tradicionais.
Ali, pessoas continuarão a ver filmes e o ambiente ainda respirará cinema de qualidade, como é do feitio do Caixa Belas Artes, é claro. No entanto, sentirei um aperto no peito quando pisar na sala novamente. Afinal, apesar de não ter completado nem ao menos um ano de vida, a Drive-In marcou. Para mim, por ter passados momentos felizes com alguém que amo. Para outros, por ter revivido a experiência de um cinema drive-in. Para o circuito de cinema de São Paulo, por ter ousado.
Afinal, entrar na Drive-in era passar por uma experiência. A sessão começava apenas 40 minutos depois do marcado para que clientes aproveitassem para comer e beber e, também, assistir a alguns clipes do Abba e ver um episódio de algum desenho de outros tempos, de outras épocas. Ao olhar ao redor, casais sorriam, davam as mãos. Alguns, mais à vontade, colocavam os braços ao redor da pessoa amada e se acomodavam para o filme que já ia começar. O tom era, invariavelmente, de alegria.
Em São Paulo, atualmente, nenhum lugar se compara ao que o Drive-In fez. Nenhuma sala de cinema tem Donnie Darko em sua programação, nem oferece dadinhos de tapioca para comer enquanto assiste a algum filme B dos anos 1980. Era algo único, mágico, nostálgico e que, por dificuldades econômicas em manter o espaço por seus idealizadores e responsáveis, acabou.
Agora, todo o sentimento de nostalgia que a sala proporcionou, mesmo para quem não viveu nos anos de 1980, retorna com força. Desta vez, porém, não é a nostalgia positiva que a sala causava em qualquer um que sentasse em suas poltronas e visse filmes que já não circulam nos cinemas há anos. É uma nostalgia dolorosa, de algo que passou e que nunca mais deve voltar em nossas vidas. O Belas Artes vai continuar sendo um cinema especial no coração de qualquer amante do cinema. Mas, para alguns, faltará um pedaço.
É uma pena que um espaço cultural tão interessante chegue ao fim de maneira tão rápida e inesperada. Mas que a Sala Drive-In fique de ensinamento para que outros cinemas ousem, arrisquem e não tenham medo. Afinal, como ficou claro com esta aposta do Belas Artes, as pessoas ainda gostam de cinema. E gostam ainda mais quando ele é tratado como uma experiência de vida.
Nota: À Mônica Bergamo, da Folha, os idealizadores afirmaram que farão um financiamento coletivo para levar a Sala Drive-In ao Mirante 9 de julho e que, de fato, encerrou o projeto por não ter retorno financeiro.
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