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Foto do escritorMatheus Mans

Rolando Boldrin morre e, com ele, se despede um pedaço da música brasileira


Depois da perda de Gal Costa pela manhã, mais uma notícia que poderia não ter chegado: Rolando Boldrin, músico, compositor e que há 17 comandava o programa Sr. Brasil, morreu aos 86 anos. Mais mais do que esses títulos, Boldrin se dedicou, ao longo de toda sua carreira, a resgatar o Brasil. Esse Brasil pouco visto, pouco falado, pouco comentado. O Brasil "da gaveta".


Um trabalho hercúleo e pouco celebrado esse do Boldrin. Se justiça fosse feita, seria ele um dos bastiões das artes no País ao lado de Caetano, Milton, Bethânia, Gal, Gil e por aí vai. Mas, por algum motivo que realmente me foge, acabou ficando em uma segunda prateleira. Mas não importa: ao longo de décadas, mostrou tudo que a música brasileira poderia nos agraciar.


Havia diversidade, também, em sua pauta. Em um programa, Benito di Paula. Em outro, Doca Furtado. No da semana seguinte, Milton Nascimento. E por aí vai. Não admitia, de maneira alguma, instrumentos que não produzissem sons naturalmente, no bater das cordas ou no toque de um tamborim. Piano às vezes entrava, em outros programas simplesmente não admitia.


Afinal, Boldrin não queria saber da música passada por apetrechos e aparatos. Queria tudo o mais natural possível. Pé no chão. Tinha paixão pelo que era caipira, pelo que era de verdade -- não à toa, adorava se passar por um caipirão bronco em alguns causos que contava. Mesmo sendo um dos seres humanos mais gentis que poderíamos ver, conhecer e conversar.


Eu, particularmente, cheguei perto de entrevistá-lo uma vez, por conta de O Filme do Meu Pai, último papel de Boldrin nos cinemas. Não deu certo. Tímido como poucos, não gostava muito de dar entrevistas, de aparecer em público, de falar na frente das pessoas. A coletiva de imprensa aconteceu -- chegaram até a pensar que ele ia entrar e participar -- mas ficou pra próxima.


O fato é que Boldrin, em minha vida, teve impacto ímpar. Com certeza não estaria escrevendo este texto se não fosse o Sr. Brasil. Primeiro me interessei por literatura e, em um dia qualquer, comecei a assistir Provocações, do Abujamra, na Cultura, por conta da entrevista com algum escritor. No intervalo, vi a chamadinha do programa do Boldrin pra outro dia. Marquei na agenda.


Desde então, foram manhãs e manhãs de domingo acordando mais cedo e passando um tempo ao lado de Rolando Boldrin. Ouvindo seus casos, sua música, apreciando e conhecendo seus convidados. Foi ele que me fez amar não só a música brasileira, mas o Brasil. Foi por causa dele que me empolguei e comecei um blog -- depois fiz jornalismo e, hoje, estou aqui escrevendo.


Boldrin tirou muita gente "da gaveta", como falava. Revelou muitos artistas ao público que, no mundo real, passariam batido nos streamings. Também deixou algumas pérolas da música brasileira, como Amanheceu, Peguei a Viola e Vide, Vida Marvada. É eterno. Mesmo assim, porém, deixa um vazio. Leva, junto com ele, parte da música brasileira caipira e de raiz.


Afinal, ainda existem muitos músicos por aí que poderiam ser revelados por Boldrin. Mas que, agora, batem de frente com o vazio. Não tem mais Boldrin. Ninguém que chegue perto do que ele fazia não só por nossa música, como pelo nosso País. Sem Boldrin, o Brasil fica um pouco mais chato, menos musical, mais careta. Fiquemos, porém, com as memórias. A benção, Boldrin.

 

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