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Foto do escritorTamires Lietti

Rodinha no Pé: Um passeio por Chernobyl e Prypiat










Há exatamente um ano, eu desembarcava na Ucrânia do mesmo jeito que costumo fazer em todos os lugares que vou: sem planos. Eu sabia pouco a respeito da capital Kiev e estava ali por um motivo — e um motivo apenas: conhecer Chernobyl. Inclusive, essa foi exatamente a resposta que dei quando a policial de imigração perguntou por quantos dias eu ficaria e o que fazia em solo ucraniano: "senhora, eu só vim pra fazer o passeio de Chernobyl". Ela esboçou um sorriso quase que simpático quando eu afirmei minhas intenções com tanta certeza.


Fiquei uma semana na Ucrânia. Durante esses 7 dias, comi muito bem e me surpreendi com as delicias da culinária local, que não sabia ser tão particular. O famoso frango Kiev é um prato que dá vontade de pedir em todo e qualquer restaurante, mesmo sabendo que o ideal é variar para experimentar tudo. A gente nunca sabe quando vai voltar ou se vai voltar. Eu me surpreendi um tanto com os meus dias em Kiev, mas surpreendente mesmo foi o dia que passei em Prypiat e Chernobyl.


Prypiat é uma cidade fantasma que viveu seus anos dourados lá pelos 1970. Ela foi projetada pra ser o que era: um universo paralelo elitizado, onde somente pessoas “selecionadas” podiam habitar. Quando a usina nucelar começou a funcionar, Prypiat era o “centro nuclear” e casa para funcionários, famílias e profissionais que giravam suas vidas entorno de Chernobyl.


Professores altamente qualificados, famílias abastadas e empregados que era cuidadosamente aprovados para serem parte da comunidade de Prypiat viveram ali. Dizem que a qualidade de vida por lá era altíssima, os salários eram extremamente atraentes e a rotina como parte da nata da sociedade era interessante. Hoje, há pouca vida por lá. Cerca de 200 pessoas escolheram retornar – sabe-se lá por que – uma vez que novos dutos de água foram implantados. No entanto, majoritariamente, só se vê os restos da cidade que foi evacuada completamente após a explosão. É fascinante e particularmente arrepiante andar por lá.


A área de exclusão delimitada depois do desastre tem apenas 30 km, mas na verdade o ideal seria que ela cobrisse mais que o triplo disse, cerca 100 km. Algumas pessoas que viveram no período que tudo aconteceu afirmam que a forma que o governo soviético lidou com os processos de evacuação considerou também aspectos econômicos, o que obviamente afetou a tomada de decisões. Na verdade, muito de Prypiat e dos muitos capítulos da novela de Chernobyl envolvem arranjos econômicos.


O radar construído pelos soviéticos, por exemplo, recebeu injeção financeira de mais de 28 países, totalizando quase 4 bilhões de euros. Pra chegar ao radar, passa-se por um summer camp, que também foi intencionalmente projetado para despistar a localização do mesmo. Chega a ser engraçado o movimento que fizeram, o ponto de ônibus decorado com personagens infantis que entregam uma ideia de “não há nada pra ver aqui”. O radar é conhecido como “russian woodpecker” (em tradução livre, "pica-pau russo") por conta do barulhinho particular que fazia.

É possível visitar todos as principais locações de Prypiat: o famoso parque de diversões, que atualmente passa a impressão de tudo, menos de diversão. O antigo clube de elite, a pré-escola, os supermercados e o único cinema da comunidade. Esses dois últimos estabelecimentos têm uma história particularmente interessante. Os negócios em Prypiat normalmente era singulares: todos frequentavam a mesma boutique, a mesma piscina, a mesma mercearia. Porém, haviam dois supermercados na cidade. O segundo deles foi resultado de uma exigência levada ao prefeito da cidade. Muitos membros da elite pediram que houvessem um local separados para os menos “relevantes” fazerem compras – em outras palavras, um supermercado mais “popular”. A elite alegava estar cansada de dividir o espaço e suas preferências pessoais com pessoas que alguns julgavam serem menos merecedores de fazerem parte da comunidade especial de Prypiat.


O cinema de Prypiat levava o nome de Prometheus, o deus do fogo pela mitologia Grega. Os moradores de Prypiat eram extremamente orgulhosos de seus estilos de vida. Sentiam-se superiores e mais importantes que outros pedaços da sociedade da época. O nome do cinema era uma alusão ao fato de que se sentiam privilegiados pelos deuses por serem parte da grande nata que se desenvolveu ao redor do uso de energia nuclear. O city hall da cidade e o hotel de luxo eram conectados por um grande corredor que foi construído como um atalho para facilitar os movimentos aparecidos do povo de Prypiat. Muitos líderes internacionais eram recebidos sem propósito, só para que pudessem ver como o povo “prypiatiano” vivia. Viver na cidade que se formou a apenas 3 km da usina era um orgulho imenso.


Ninguém sabe ao certo a causa concreta da explosão que gerou o maior desastre nuclear do mundo. Alguns acreditam que tudo começou com um botão de emergência que não funcionou, ou um vazamento de grafite que deu corda para todas as reações químicas seguintes. No local, atualmente, há um monumento em homenagem aos muitos bombeiros que estavam trabalhando na noite do acidente. Trinta deles morreram no local e conta-se que a forma como a brigada lidou com o acidente ajudou ainda mais a alastrá-lo. Na época, sabia-se pouco sobre radiação, e muitas medidas foram e não foram tomadas por ignorância. Alguns profissionais chegaram a ser transferidos para Moscou para tratamento, mas acabaram morrendo, já que a comunidade médica também pouco sabia de acidentes nucleares.

O que resta de Prypiat e Chernobyl foi o que não foi levado pelo trabalho massivo dos liquidators depois do acidente. Muitos cidadãos foram empregados com esse posto esporádico para fazer a limpeza do local e jogar mobílias e pertences fora. A radiação aos poucos se esvai, mas ainda faz muitos aparelhinhos apitarem quando se adentra a região. Há um controle rigoroso de visitantes e um sistema que acompanha os níveis de exposição. As estruturas ficaram e conversam sutilmente com quem aparece. Carregam história de uma cidade que viveu o auge, e hoje vive da fama do que já foi um dia.

 

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