Uma das minhas maiores motivações para gargantear a história da Albânia veio de uma realização muito pessoal que tive quando ainda estava viajando por lá. Eu consumi cada pedaço do museu de Tirana e, quanto mais eu lia, mais eu me surpreendia com a minha própria ignorância. Percebi a riqueza de detalhes políticos e históricos que simplesmente passam em branco quando aprendemos a história do Leste Europeu e da Iugoslávia na escola.
Na época, cheguei a perguntar na minha conta pessoal do Instagram se as pessoas achavam que a Albânia era um dos “pequenos” países que se desdobraram e a grande maioria respondeu que sim. Eu percebi que, por conta da forma que somos ensinados, temos a tendência a colocar regiões e culturas próximas em bolhas que, na verdade, não são tão uniformes como pensamos.
O "povo ali da Ásia" é muito diferente, assim como o “povo ali do Leste Europeu”. Todos esses lugares que tendemos a categorizar como um só têm muito o que nos contar. Albânia tem um background riquíssimo e repleto de episódios intrigantes, mas, assim como você, eu também não sabia disso. Agora eu sei e uso esse espaço pra compartilhar tudo que aprendi sobre esse país fascinante.
A história da Albânia começou a ser moldada há mais de 2000 anos, com a chegada do povo ilírio, derrotado pelos romanos. É claro que, com a derrota, o território foi parte do império Romano até a queda do mesmo. O território albanês “pipocou” de casa em casa ate ser o que é hoje. Logo após a derrota dos Romanos, a Albânia fez parte do império Bizantino. Nessa época, o território sofreu inúmeros ataques, sendo o mais memorável deles por parte dos soldados eslavos. O país também não passou ileso das sanções trazidas pela divisão da igreja.
Avançando um pouco no tempo, o território não escapou das represálias do império Turco-Otomano e foi a partir daí que a história moderna dos albaneses passou a ser formada. Por anos, um coronel militar conhecido pelo nome de Skanderbeg conseguiu cessar (ou pelo menos fazer uma contenção de danos) os avanços dos otomanos. Muitos de seus esforços de fato deram certo, mas, ainda assim, o país passou um bom tempo sob dominação. Mesmo assim, Skanderbeg é, até hoje, a figura mais importante da história da Albânia.
Seria inocente pensar que a Albânia escapou da leva de movimentos nacionalistas que invadiram a Europa no final do século XIX. Foi surfando nessa onda que o país declarou independência em 1912. Se sua memória está boa, você sabe que isso foi meros dois anos antes do inicio da Primeira Guerra Mundial. Durante a guerra, a Albânia foi nada além “tiro, porrada e bomba.” Com o fim da guerra e um território considerado “zero à esquerda” no contexto mundial, ficou fácil para algumas figuras políticas fazerem da Albânia o que quisessem. E é aí que começa o show.
A primeira figura política importante dessa narrativa toda é o totalitário Ahmet Zogu que se auto intitulava “rei Zogu”. Gente fina ele. Zogu fez um movimento interessante e se aliou economicamente com a Itália que, na época, estava sob os comandos de ninguém menos que Benito Mussolini. Foi uma escolha ótima para o povo albanês. Só que não. Não demorou muito para que o território fosse invadido pelos italianos, o que o enfraqueceu ainda mais. Isso abriu portas para o que eu, dentro de minha pequenez, julgo ser a reviravolta mais dolorosa da história albanesa: a criação do partido comunista de Enver Hoxha. Eu não estava preparada para o que veio depois daí.
Essa parte da história da Albânia me surpreendeu demais por conta do meu contato prévio com a realidade na China. Eu não tinha nem ideia que a Albânia tinha tido um passado tão conturbado nas mãos de um líder comunista. Não só isso: muitas dessas influencias vieram da China. Eu não tinha nem ideia. Enver Hoxha identificava “inimigos” em todos os lugares, a maioria deles imaginários. Muitas das pessoas que ele julgava “perigosas” eram colaboradores próximos que foram julgados e/ou executados sem razão. Ele manipulava imagens e muitas peças artísticas e livros foram proibidos de circular no país durante aquela época. Foi por conta desse pensamento completamente “fora da casinha” que foi cada vez mais subindo do ditador que surgiram os Sigurimi, o grupo de inteligência nacional e polícia secreta da Albânia. Os “colaboradores” do Sigurimi eram cidadãos que, por algum motivo, carregavam uma atmosfera de superioridade que os faziam acreditar que eles eram dotados de um tato para identificar outros albaneses que seriam considerados “inimigos do povo”.
Tudo começou em 1944 e essas pessoas não recebiam salários e eram recompensadas com bônus negociados de acordo com o valor das informações que essas pessoas alegavam ter. É claro que, em muitos casos, esses cidadãos normais uma vez bêbados de poder usavam esse cargo para vinganças pessoas e manipulavam informações. Nem sempre a intenção real era deter os “inimigos” do regime comunista.
Os Sigurimi eram considerados a maior arma do Partido. Naquela época, as fronteiras da Albânia viraram um checkpoint onde qualquer detalhe pessoal era passível de julgamento e sanções. A lei permitia que fosse exigido um certo código estético para entrada no país. Um dos documentos oficiais dizia que: “homens com barba e/ou manchas na pele e mulheres de saia seriam barrados pelas autoridades.” Além disso, era tarefa dos guardas arrumar as irregularidades na aparência de cada cidadão internacional para que eles fossem dignos de se misturarem aos que sobreviveram fora dos campos de concentração albaneses e ainda eram parte da “sociedade”. Nenhum imigrante podia entrar portando nenhum tipo de conteúdo cultural ou artístico que trouxesse ideias capazes de desafiar a hegemonia da ditadura.
As áreas eram identificadas como “centro de internos” e haviam centenas deles espalhados pelo país. Nesses “centros”, os cidadãos não ficavam confinados como nos campos de concentração; a estrutura era parecida com uma vila, mas com entrada e saída extremamente controladas. Os cidadãos do norte eram “internados” no sul e vice-versa, para garantir que eles tivessem zero contato com suas raízes. Eram os agentes Sigurimi que ditavam como eles iriam colaborar para a dinâmica de seus centros; muitos eram alocados para serviços de agricultura e/ou construção. Nos campos de concentração, a dinâmica era mais violenta. Os habitantes eram privados de direitos básicos e torturados de diversas formas. Alguns eram privados de comida até a morte, deixados no frio até perderem o sentido, obrigados a comer excrementos, eletrocutados, obrigados a cavar a própria cova e espancados. Similar a história deles, não é mesmo? A gente já aprendeu sobre isso em algum lugar, certo?
Entre 1949 e 1991 (após a dissolução da União Soviética), a polícia secreta seguiu à risca as paranoias de um ditador. Após o colapso do regime comunista em 1992 (muitos de nós já éramos nascidos nessa época!), muitos documentos e provas dos crimes cometidos durante o regime ditatorial foram destruídos.
Um dos detalhes mais curiosos que aprendi enquanto estava lá é que o Ministro das Relações Internacionais fez um pedido bastante inusitado a uma empresa que fabricava maquinas alimentícias. Foram construídas duas máquinas para bater pão, equipamentos de tamanho duvidosos. Essas máquinas bem especificas foram usadas para destruir toda e qualquer prova de atrocidades cometidas pelo governo albanês naquela época e eram capazes de processar cerca de 800kg de papel por hora. A “mistura” desses documentos com água virava bolos de massa de “pão”, que depois eram enterrados ou jogados em rios da região. É com esse detalhe interessantíssimo que encerro a narrativa de hoje. Muito aconteceu depois que a Albânia escapou da ditadura comunista, mas vou precisar retomar esse papo numa próxima. Para quem pensa em visitar a região, pode esperar uma capital bem colorida, repleta de intervenções artísticas muito divertidas e recheada de história pra contar e fatos para ensinar. A Albânia é pit stop obrigatório para quem visita o Leste Europeu.
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