Como falamos aqui no Esquina, a Ponto Edita chegou ao mercado editorial brasileiro com uma proposta diferenciada de levar ao público conteúdos pouco conhecidos, mas de qualidade, em edições cuidadosas. E o livro que abriu os trabalhos foi o livro Uma Mulher Perdida, da norte-americana Willa Cather, que é constantemente comparado com Madame Bovary. Por isso, não dá para começar a leitura com a expectativa baixa. Qualquer coisa comparada com o romance de Flaubert deve ser, no mínimo, ótima.
E, apesar desse aumento de expectativa, e do consequente receio com a leitura, Uma Mulher Perdida revelou-se como uma obra essencial, poderosa. É um resgate literário importantíssimo que a Ponto Edita faz no mercado editorial brasileiro, trazendo de volta essa obra tão pouco conhecida no País. Na trama, acompanha-se a jornada de Neil, um rapaz que cresceu numa cidade bucólica do oeste americano cercado de pessoas das mais variadas classes. Os mais próximos dele era o casal Forrester. Marian e o Capitão.
Ao longo de suas 160 páginas, Cather vai tecendo e amplificando as relações entre Neil e a Sra. Forrester, mostrando as várias facetas dessa relação que desperta fascínio. Há muito amor e rejeição envolvidos, amplificando todos os sentimentos entre esses dois. Isso sem falar das particularidades de Marian, que vive uma relação complicada com o marido e entra em algumas aventuras arriscadas, despertando ainda mais sentimentos.
Inicialmente, parece que Cather vai por um caminho óbvio de narrar a vida dessa mulher -- que dá título ao livro -- por meio do olhar de Neil. Algo comum em romances do início do século XX, mas que dá uma pontada de decepção em quem está buscando um romance disruptivo, que mexe com as emoções e se compara à Madame Bovary. Afinal, espera-se, por tudo que se fala da literatura de Cather, que ela dê um protagonismo à mulher inusitado e que quebre paradigmas. E o começo não é assim.
Mas aos poucos, a autora vai inserindo momentos, e quebras inusitadas, que vão mostrando a força de sua literatura e como foi importante a Ponto Edita resgatá-la no Brasil. Por mais que não seja a protagonista absoluta do livro, a visão sobre a personagem vai se transformando, se alterando. Ainda mais por conta da narração que vai modulando e se alterando de maneira quase livre, passando pela mente de muitos dos personagens. Curiosamente, isso acaba mostrando a força também da personagem.
Ela é uma mulher, num momento em que o patriarcalismo toma conta, mas que vive sua vida de maneira firme, mesmo em momentos que poderiam causar alguma dúvida ou medo por parte da personagem. Cather engana o leitor. Parece que vai por um caminho óbvio ou, até mesmo, extremamente pessimista. Mas, na maioria das vezes, acaba dando um rumo inesperado e poderoso na narrativa -- principalmente quando envolve a personagem de Marian. A metáfora da personagem com o ambiente ao seu redor também é interessantíssima. Destaque para o conteúdo extra do livro, que explica isso.
Isso sem falar da boa narrativa, que vai acompanhando todas as transformações e relações entre a Sr. Forrester e Neil, sobre a "visita cruel do tempo". As mudanças do ambiente, a transformação de ícone da infância. São coisas que possuem um impacto forte na formação ética, moral e emocional de uma pessoa. E, por isso, não é fácil de ser transposta para as páginas de um livro. Cather, porém, consegue trabalhar com as ausências, com o que não é dito, com a falta de algo. Algo raro de se ver na literatura.
Enfim, Uma Mulher Perdida é um livraço, que já entra pra lista de melhores livros lidos em 2019. É forte, poderoso e, mesmo tendo sido escrito há quase 100 anos, continua atual. A personagem da Sr. Forrester, de alguma maneira, mostra como a força da mulher pode assumir as mais variadas facetas. Que esse livro, com a mensagem intensa que o conduz, atinja o máximo de pessoas possível. Afinal, só fará bem.
Obs.: Detalhe extremamente positivo para a embalagem da Ponto Edita, na foto de capa deste texto. Caprichada, mostra carinho e uma atenção a mais ao leitor. Algo essencial.
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