Centenas de pessoas estavam vivendo as suas vidas com uma calma bucólica, no distrito rural de Bento Rodrigues, quando uma moça passou com sua moto nas ruas. E o aviso que ela gritava, do alto de sua garupa, não era dos melhores: a barragem da mineradora Samarco, que ficava apenas a alguns poucos quilômetros dali, havia rompido. Era preciso que todos saíssem o mais rápido de suas casas para algum lugar elevado. A maioria dos moradores se salvaram, mas algumas mortes ficaram marcadas para sempre na cidade. E a lama, que levou caos e destruição, acabou com uma história.
A jornalista Cristina Serra, da TV Globo, tenta recuperar essa história perdida no excelente livro Tragédia em Mariana. Apesar de hoje parecer levemente datado, por conta do caso mais recente em Brumadinho, o livro da repórter investigativa se mostra necessário a cada página virada. Afinal, mais do que simplesmente relatar o que houve nesse fatídico dia em Minas Gerais, em 2015, Serra se debruça sobre investigações, vidas de moradores e, principalmente, na falta de cuidado da mineradora com o entorno.
Assim, a obra traz aspectos quase que inéditos sobre a tragédia. Bastidores da Samarco, da Vale e da BHP, no momento do desastre, revelam como os executivos não se prepararam para o momento -- mesmo sabendo sobre os riscos eminentes de um desabamento da barragem. Pior: o desdobramento e descaso da empresa com os afetados causa revolta. Difícil não ter emoções aflorando a cada história contada, a cada tragédia anunciada e não resolvida. É um livro que, mesmo contando uma história de anos atrás, ainda desperta emoções. E uma preocupação grave com o que pode vir.
No entanto, nada se iguala aos capítulos que Serra se dedica a contar histórias humanas. Com uma narrativa bem amarrada e histórias escritas no melhor estilo do jornalismo literário, Tragédia em Mariana vai tecendo uma teia de acontecimentos que cercaram o desastre. Os capítulos finais do livro, que lembram a forma de escrita da ótima Daniela Arbex, são os mais fortes e intensos. Neles, residem as histórias de quem morreu na tragédia -- ou quase -- sem nem perceber ou entender o que acontecia ali.
E mais: Serra, junto com as histórias pessoais das vítimas, vai contando um pouco sobre a própria cidade de Bento Rodrigues e de outras localidade afetadas. É triste saber como a cidade chegou até ali, construiu uma cultura e depois foi destruída por um mar de terra, areia e rejeitos químicos. A tristeza de ver algumas imagens selecionadas, no meio do livro, intensificam as emoções. O difícil é sair ileso da leitura e acreditar que tudo vai bem no setor privado do Brasil. Traz, junto com a tragédia, outras indagações.
Dessa maneira, Tragédia em Mariana é um livro forte, intenso e importante de Cristina Serra. Por mais que tenha ficado desatualizado após a tragédia de Brumadinho, que colocou outro tijolo sobre a história das barragens, traz questionamentos importantes e que vão além. Desperta uma necessidade de ativismo social e ambiental, principalmente em um momento em que o Brasil passa por uma situação tão complicada em ambos os âmbitos. É preciso refletir sobre esse passado marrom e vermelho e entender como o futuro, cada vez mais sombrio e complicado, pode ajudar o Brasil. Leitura obrigatória.
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