A situação posta pela autora Paula Daly em Que Tipo de Mãe é Você? é pouco usual e desesperadora: Lisa Kallisto é uma aterafada mãe de três filhos que percebe tardiamente que esqueceu de pegar a amiga da filha na escola. Mais do que dar uma carona, a protagonista tinha se disposto a deixar a garota dormir em sua casa e a levar para a aula no dia seguinte. Quando a ausência é notada, o caos está plantado: a menina desapareceu, os pais entraram em desespero e mídia e polícia começaram a investigar.
A partir daí, Daly cria uma trama intrincada, com toques de Garota Exemplar e A Garota do Trem, que leva o clima de thriller para dentro da casa das personagens. É um sentimento de proximidade do perigo, além de uma natural sensação de corrida contra o tempo pelo sumiço da garota. São emoções naturais, que vão surgindo a partir das páginas e diálogos, e que poderia sair de controle em mãos menos talentosas. A autora americana, porém, logo mostra qualidade com a criação dos personagem e da trama.
A protagonista Lisa Kallisto, que também narra a história na maior parte do tempo, é uma mãe repleta de fragilidades, problemas e emoções que precisam ser escondidas para o bem-estar geral -- algo, aliás, que os recentes filmes Tully e Um Dia mostraram muito bem. É extremamente crível a reação dela frente ao sumiço da menina e os passos seguintes, motivados por emoções da situação e pela sensação de culpa. Nada parecido com o heroísmo fora de tom, por exemplo, dos livros de Harlan Coben e afins.
A autora também faz uma aposta arriscada ao intercalar parte dos capítulos com uma narração fora da trama central -- e, por isso, inteiramente escrita em itálico -- e que remete, automaticamente, ao criminoso que raptou a menina. É algo que o brasileiro Gustavo Ávila muito bem fez em O Sorriso da Hiena e que, bem dosado, entrega uma trama mais dinâmica. É o que acontece em Que Tipo de Mãe é Você?, quebrando a expectativa e ampliando o alcance da história contada por Daly. Fica mais fácil de virar as 300 páginas.
Acrescente a naturalidade das personagens e a dinamicidade da história às boas reviravoltas, o estilo elegante de escrita de Daly, que não tenta imitar ninguém, e a esperta conclusão, que não surpreende ninguém, mas causa choque, revolta e ansiedade para que a situação mostre sua resolução rapidamente. É um livro que, em suma, desperta emoções e, ao invés de torná-lo uma bomba atômica, vai dispersando-a de forma dosada e inteligente. É assim que se cria uma boa leitura, respeitando o leitor.
Vale ressaltar, também, alguns importantes questionamentos trazidos por Daly por meio da história, como a influência da figura da mãe, o machismo social que sempre vê a mulher como a faz-tudo da família e a falta de culpa do marido em situações extremas. São discussões sociais importantes e que legitimam a criação de uma trama de thriller familiar. Não é apenas, então, um desejo insaciável de conseguir emplacar um Garota Exemplar no mercado. Há a vontade de contar uma história e trazer reflexão.
É um thriller, sim, mas também é um estudo sobre classes sociais, amizade, maternidade, responsabilidade. É um suspense que vai muito além da reviravolta e do mistério.
Que Tipo de Mãe é Você? é um livro angustiante, muito emotivo, e que te faz virar as 300 páginas de maneira veloz, ávido por querer terminar a história e entender como tudo se desenrola. Mas, principalmente, é uma trama que vai além do thriller rápido e barato, justificando sua existência e sua importância. Vale a leitura se você está em busca de um romance ao nível de Garota Exemplar e afins. Não vai te decepcionar.
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