Confesso que quando abri o livro O Amante, não sabia o esperar. Não conhecia o livro, nunca tinha ouvido falar da escritora Marguerite Duras. E que boa surpresa. Considerada uma das autoras mais experimentais, ousadas e imagéticas da literatura francesa, Duras é uma autora muito particular. Tem um estilo próprio, um encadeamento muito específico de ideias.
E em O Amante, isso é usado em prol de memórias da própria escritora que se misturam com ficção. Na trama, que é quase um fiapo, a própria Duras quando criança na antiga Indochina francesa -- o atual Vietnã. Aos 15 anos, sua vida está cheia de desafios. De um lado, a mãe está sucumbindo à loucura. O irmão é violento. E, como fuga, apenas um amante adulto chinês.
A partir dessas ideias, sensações e emoções, Duras proporciona ao leitor um mergulho em suas memórias de maneira verborrágica, pouco coeso, indo e avançando no tempo. É difícil de acompanhar. Te deixa preso na página, tentando entender a temporalidade daquela colocação. É preciso se dedicar ao momento, às falas e diálogos, para se situar e se posicionar na história.
Esse redemoinho de histórias, memórias e emoções se tornam mais impressionantes e compreensíveis, porém, com o passar do tempo. Assim como um As Meninas, de Lygia Fagundes Telles, o diferente acaba se tornando o novo normal. E, com isso, a leitura fica mais atraente. Mais do que viver na mente de Duras, o leitor acaba criando seu próprio universo.
Vale dizer, porém, que os desafios não terminam por aí. Além de desafiar com a narrativa, Duras brinca com esse limite tênue entre verdade e mentira, autobiografia e ficção. Esse aspecto flutuante de sua literatura, que instiga o leitor no romance com o chinês adulto ou as loucuras da família, acabam causando um sentimento interessante enquanto as páginas vão correndo.
No final das contas, O Amante acaba se tornando uma experiência interessante, profunda. Ainda que a história em si seja repetitiva e por vezes não saia do lugar, mesmo com as páginas avançando, o mergulho na vida e história de Duras -- seja ela real ou ficcional -- é inspiradora, triste, melancólica, profunda. Entender suas dores, mentiras, sua biografia. Rica experiência.
Comments