Ocorrido em 2002, o assassinato de Manfred e Marísia Von Richthofen ficou marcado. Afinal, o casal foi morto enquanto dormia pelos irmãos Cravinhos a mando da filha, Suzane. Um crime bárbaro, inicialmente envolto de mistérios, e depois cheio de bizarrices -- a entrevista da filha ao Fantástico, o caráter de manipulação da garota e coisas do tipo. É um marco criminal brasileiro.
Por isso, é natural que a história continue viva no boca-a-boca. Pessoas ainda comentam sobre a vida de Suzane, se interessam, acessam matérias aos borbotões. Um filme está prestes a chegar aos cinemas, repleto de polêmicas e reclamações de brasileiros que acham um "absurdo colocar uma criminosa nas telonas" -- e se esquecem de filmes americanos sobre serial killers.
E agora também ganha um livro-reportagem para chamar de seu. Suzane: Assassina e Manipuladora, da Editora Matrix, chegou às livrarias cheio de polêmicas. Escrito pelo jornalista Ulisses Campbell, jornalista da Veja, a obra foi proibida de ser publicada por decisão da Justiça -- num movimento parecido com a biografia sobre o cantor e compositor Roberto Carlos.
O fato, porém, é que Suzane: Assassina e Manipuladora é daqueles livros que tentam ser algo além da capacidade. Afinal, não é fácil falar sobre o assassinato dos Richthofen. São muitas histórias, muitas versões, muitas narrativas. Campbell conseguiu fazer várias entrevistas com os Cravinhos, mas acabou batendo com a cara na porta com Suzane e seu irmão, Andreas.
Para não ser apenas um livro-reportagem sobre a visão dos Cravinhos, o jornalista mergulhou em inquéritos policiais e arquivos da polícia para tentar construir uma visão completa do crime.
"Ao ver o bilhete escrito por Marísia colado no para-brisa do carro, Suzane ficou estática feito o Cristo Redentor. Atônita, não soube o que fazer nem para onde ir. Depois de pensar bastante, resolveu enfrentar a mãe e foi pra casa. Marísia a recebeu aos berros na sala, chamando-a de mentirosa. Esbravejou, acusando a filha de só lhe dar desgosto"
Mas o fato é que acaba ficando estranho. Campbell escreve diálogos entre Suzane, o irmão e os pais com uma certeza absoluta difícil de ter numa situação como essa -- dá pra acreditar completamente em inquéritos? Como saber se a ação/fala do pai ou da mãe não foi mais uma invencionice de Suzane? Ou do próprio Andreas, que era fã número 1 de um dos Cravinhos?
Não há problema em Campbell trazer informações de inquéritos, depoimentos e coisas do tipo. Mas falta delimitar de onde vieram os dados. Sem isso, a história vira uma maçaroca e o livro se afasta rapidamente do jornalismo para entrar no limite da ficção. Ainda mais com diálogos artificiais, repletos de maneirismos que também são identificados na voz do jornalista-narrador.
O pior, porém, é a péssima qualidade de escrita. A narrativa é recheada de metáforas constrangedoras ("Suzane ficou estática feito o Cristo Redentor"), descrições bregas ("Foi impossível Daniel não reparar na beleza daquela ninfeta") ou diálogos falsos e mal escritos ("Diga que me ama na minha cara! Eu preciso mais disso do que do seu abraço!, disse Daniel").
É um livro que não dá pra levar a sério -- e assim como a biografia de Roberto Carlos, dá a impressão de ter sido barrada na Justiça de tão mal escrita que é. Falta cuidado nas informações, cuidado na escrita, cuidado ao tratar de uma história tão delicada. Falta, aqui, o principal para se contar uma história de crimes reais: sensibilidade e muita delicadeza.
No final, Suzane: Assassina e Manipuladora é um livro que tenta ser uma bomba com novas informações e acaba sendo uma bomba de mau gosto. Quer um bom livro sobre crimes reais e brasileiros? Leia O Pior dos Crimes, sobre o caso Nardoni. Bem escrito, com boa apuração. Não deixe que narrativas sensacionalistas, sem conteúdo, ganhem espaço. Não vale a pena.
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