Certa vez, Barack Obama disse que Homem Invisível era um pilar essencial em sua formação política, intelectual, social. Um livro-base. Quando o ex-presidente dos Estados Unidos disse isso, só confirmou o que já estava sendo incensado pela crítica literária: esta obra de Ralph Ellison, um calhamaço de mais de 570 páginas, é um clássico absoluto. Uma obra essencial dos EUA.
E não é pra menos. Homem Invisível, que chega em nova edição ao Brasil pelas mãos do Grupo Editorial Record, tem uma história daquelas. Ellison, aqui, fala sobre um homem que decide viver no subsolo da cidade de Nova York -- onde sua invisibilidade ganha outros contornos, ainda mais contundentes. Por trás disso, vemos toda a trajetória de ser negro nos Estados Unidos.
Assim, se O Apanhador no Campo de Centeio é ainda hoje considerada uma obra seminal sobre a juventude americana, Homem Invisível é a obra máxima sobre a negritude nos Estados Unidos. O racismo, a invisibilidade e o preconceito que escorrem das páginas brilhantemente escritas por Ellison é mais do que uma história. É um tratado, uma análise social, um documento vivo.
Não é à toa que a obra continua tão essencial décadas depois da obra escrita, e décadas depois do autor ter morrido. Assim como comentamos aqui no Esquina recentemente sobre A Terceira Vida de Grange Copeland, esta obra continua atual pois não é uma banalidade. Não é simplória. Ellison, assim como Walker, entendeu a sociedade. Entendeu o racismo. E traduziu em literatura.
Além disso, Homem Invisível ganha corpo conforme o autor faz ataques à mentiras e leviandades compartilhadas e espalhadas pela sociedade. Há, primeiramente, uma quebra dessa mentira de que a população negra pode se comportar e transitar entre a população branca. Por outro lado, há também uma quebra da sociedade como suporte à todos e todas.
Homem Invisível, assim, tem um olhar pessimista. Quase catastrófico. Mas oras, é por meio disso, desse olhar tão profundo e negativo, que olhamos para o que não queremos olhar. Ellison desperta, nos faz despertar. Cutuca, provoca, instiga. Obviamente, nem todos ficarão tranquilos ou aceitarão tranquilamente a mensagem provocada pela obra. Vão reagir, reclamar, estranhar.
E tudo bem. Ellison, que era conhecido por ser uma figura difícil e controversa, com certeza gostaria de atingir esse resultado. Ou, ainda, atingir um estado de desconforto e estranheza que, mesmo que o leitor não entenda ou não goste da mensagem de Homem Invisível, não tem problema. A provocação foi feita. O leitor se "mexeu". E o livro cumpriu o seu difícil objetivo.
Afinal, Homem Invisível é um livro à frente de seu tempo. Conta a história de um homem negro, na invisibilidade, num EUA "cordial", mas que não deixa de se armar de racismo, preconceito, intolerância. Não é pra ser uma leitura agradável. É uma leitura forte e reflexiva. Uma das obras históricas da literatura. E que merece atenção redobrada em tempos tão obscuros que estamos.
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