Uma das principais vozes da literatura francesa moderna, Édouard Louis se vale de suas histórias para fazer uma verdadeira terapia. A partir de tramas potentes, geralmente desconfortáveis e de teor violento, o autor fala sobre acontecimentos do passado e, por uma ótica extremamente pessoal e intimista, analisa os desdobramentos que tiveram em sua vida.
Em História da Violência, seu segundo livro depois de O Fim de Eddy, Louis aborda um episódio traumático em sua vida: o dia que foi estuprado por um homem em sua própria casa. Sem nunca deixar claro o que é ficção e o que é realidade, Louis se aprofunda, e se afoga, em vivências e memórias que o machucam. Pensa e repensa atitudes. Analisa falas e pensamentos.
O mais interessante, porém, é que isso não é feito de modo totalmente íntimo. Grande parte do livro é, na verdade, um diálogo invisível entre ele e sua irmã. Digo invisível pois, apesar de ser o condutor da trama, a conversa entre ele e a irmã não existe. Na verdade, ela conversa com o marido, contando sobre o crime, enquanto Édouard faz comentários quieto, na própria mente.
Isso faz com que História da Violência se torne quase um retrato literário de uma terapia. Édouard Louis não tem medo de colocar suas atitudes, pensamentos, medos e desejos nas páginas do livro. Ele, de alguma forma, os concretiza ali, bem na frente dos nossos olhos, e se permite reflexões e debates extremamente pessoais. É revelador ler e entender o francês.
Ainda que seja demasiadamente humana a dor de Louis, porém, muito podem encontrar barreiras no mergulho a ser feito na obra. Afinal, a narrativa se passa inteiramente na mente do autor-protagonista-narrador. Ele conduz a trama, enquanto os sentimentos dão o tom. Com isso, há um fluxo de pensamentos que é traduzido diretamente para a construção de frases da obra.
Excesso de vírgulas, poucas pausas e falta de respiros se tornam uma marca registrada de História da Violência. Mas garanto: depois que você se acostumar, a leitura flui facilmente.
Há de se destacar, por fim, a importância de algumas questões levantadas. Estupro já é um tema que precisa -- e deve -- ser mais tratado. Estupro masculino, então, é quase um tabu. A forma que Louis aborda a trama e se aprofunda na temática causam questionamentos importantes sobre saúde, saúde mental e cuidados com vítimas de abuso. O livro vai além.
Enfim. História da Violência é um filme forte, intenso e que permite ao leitor o mergulho profundo e íntimo numa mente perturbada por acontecimentos brutais. Não é fácil de ler, seja pela temática ou pela força das palavras. Mas, no final, a dificuldade é recompensada com um personagem forte, escrita madura. Bom ficar de olho em Louis. Futuro brilhante na literatura.
Querido Matheus, comprei o livro após ler sua resenha. E é isso mesmo. Tudo que você pontuou está correto. Gosto muito das edições das Tusquets. Tenho espaço para isso aqui na minha biblioteca rsrs Abç