De certa maneira, o escritor baiano Jorge Amado tem duas vertentes de sua literatura. Uma delas, que deu fruto à obras como Gabriela, Cravo e Canela, é mais leve, divertida. Por mais que ainda seja permeada de observações sociais, ele se ateve mais aos tipos humanos, à sociedade baiana. Já no seu outro momento, mais pro começo da carreira de escritor, Jorge Amado era totalmente fincado na política. Ativista comunista, ele via nos livros uma maneira de propagar seu pensamento, sua forme de ver a sociedade.
E é este o caso do forte livro Suor. Primo de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, a obra de Jorge Amado é uma colcha de retalhos do dia a dia de um casarão ali no Pelourinho. Lá, dezenas de famílias se abrigavam em quartos minúsculos, dividindo seus espaços com ratos e outras criaturas. Ou seja: era um cortiço, encravado no coração de Salvador, e que mostrava um pouco do que era a sociedade, o povão, lá no começo do século XX. Afinal, o que é melhor pra retratar uma sociedade do que as moradias e vizinhança?
Ao longo de 130 páginas, mais ou menos, Jorge Amado conta histórias que se desenvolvem como se fossem uma conversa de bar. Elas surgem e vão embora com uma facilidade que imita o sopro da vida. Apesar de ser um de seus primeiros romances, Amado sabe como criar uma atmosfera, um caleidoscópio social que vai além de pequenos contos. Ao não falar o nome de personagens, ao não se aprofundar na vida de ninguém, Suor vai inserindo o leitor dentro do casarão. Se torna mais um.
O tom político começa tímido e, aos poucos, vai ganhando uma força que consome a história. É curioso, porém, como é um tom político que, atualmente, está datado. A visão romântica que Jorge Amado tinha do comunismo, e que com o tempo foi se transformando, é algo que não tem a mínima chance de existir hoje. O proletário se unir, em torno de uma causa que nem é sua, contra os ricos e poderosos? É difícil, é até curioso de ouvir. Infelizmente, os tempos são outros, a mentalidade é outra. Está datado.
No entanto, mesmo assim, Suor não se torna datado. Primeiro por ser um registro de seu tempo -- assim como os livros de Monteiro Lobato, que nunca poderiam ser classificados como obras racistas hoje, mas sim como uma visão escravocrata de ontem. É, afinal, um maneira de perceber, por meio da literatura, a antropologia de um povo. As suas mudanças, suas nuances, suas transformações. É a História ali, escrita pelos olhos de Amado, e que hoje nunca mais conseguiria ser traduzida assim.
Por outro lado, o livro ainda se faz presente como um registro histórico. Por mais que a situação do tal cortiço seja insalubre um jeito quase inconcebível -- a começar pelo próprio título, que já remete à ideia de algo quente, apertado --, há vidas distribuídas dessa maneira. Pessoas ainda se amontoam em pequenos casebres, em quadros diminutos. Hoje, 85 anos depois de sua publicação, Suor continua a traduzir um Brasil que existe por aí. Um Brasil que, infelizmente, parece perdurar em sua estrutura social.
Dessa maneira, por fim, Suor é um livro que se faz imperativo na obra de Jorge Amado. Traz dois aspectos importantíssimos que apenas os livros podem trazer em conjunto: a História de um povo e a reflexão que transpassa os tempos. É poético e triste de ver como a coisa se construiu. Triste pela persistência do abismo social. Poético por ser nas palavras do escritor baiano, que tece uma narrativa doce que se contrapõe ao que é contado na essência. Doce e salgado. Forte e fraco. Leve e pesado. Abrigo e suor.
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