Na escola, lá pelos idos do Ensino Médio, somos apresentados ao sumo da literatura brasileira. Machado de Assis, Jorge Amado, Graciliano Ramos, José de Alencar. Infelizmente, é baixíssima a presença feminina nessas seleções. Às vezes aparece algum livro de Clarice Lispector — geralmente Laços de Família. Rachel de Queiroz, uma pena, é citada rapidamente por O Quinze.
E agora, finalmente pagando a dívida de ler Dôra, Doralina, vejo como perdi tempo ao não me aprofundar na obra de Rachel. Forte e potente, o livro não fica nem um pouco atrás da literatura de Graciliano Ramos. Afinal, há aqui a aspereza da vida, o calor do sertão, a profundidade de personagens que se encontram e se desencontram. É um livro que merecia ser mais incensado.
A história já é interessantíssima. Dividida entre Livro de Senhora, Livro de Companhia e Livro do Comandante, a obra narra a história de Maria das Dores — ou Dôra, como prefere ser chamada. Ela é uma jovem simples que vive no agreste nordestino no interior do Ceará, sob o domínio de sua mãe. Tratada como Senhora, a mãe de Dôra era uma mulher que dominava tudo e todos.
A partir daí, acompanhamos a jornada dessa personagem tão real, tão forte, tão brasileira. Numa mistura de S. Bernardo e Vidas Secas, acompanhamos essa personagem em sua vida tão particular. Sai da fazenda que vivia no agreste nordestino e vai pra Fortaleza. De lá vai para o Rio de Janeiro em busca de melhores oportunidades. E, por fim, encontra o caminho de volta ao lar.
Acompanhamos, assim, uma personagem em seu percurso da dor — como brilhantemente Aíla Maria Leite Sampaio em seu paper sobre o livro. A personagem, a todo o momento, tenta escapar das garras do destino, sempre sustentado na dor, no esquecimento, na profundeza social. Ela, enquanto isso, tenta nadar contra a maré para se encontrar, para se permitir.
É uma jornada brasileira, típica de Graciliano, mas com uma personagem com uma profundidade psicológica típica de Clarice Lispector. É o melhor que há da literatura brasileira, já que terminamos o livro diferentes da maneira como começamos. Mesmo publicado há mais de quatro décadas, assuntos, temas e pensamos ainda refletem o que somos e o que vivemos.
Afinal, mais do que apenas acompanhar a jornada de uma mulher nordestina, acompanhamos a emancipação de uma personagem oprimida. O cenário, hoje em dia, pode ser diferente. Assim como o tipo de opressão. No entanto, a jornada ainda faz sentido, a transformação que as pessoas devem passar permanece. Rachel de Queiroz captou um sentimento, não uma história.
Dôra, Doralina é um livro que deveria ser essencial na formação dos jovens estudantes brasileiros, ao lado daqueles nomes que citei no início do texto — além de Érico Veríssimo, Lygia Fagundes Telles, Carlos Heitor Cony, Zuenir Ventura, dentre tantos outros esquecidos. Viva, Rachel de Queiroz! Viva a literatura brasileira! Viva nossos livros! Viva! Viva! Viva!
Sim sim sim!! Até hoje não entendo o motivo de não estudarmos mais Rachel nas escolas. Acho que ainda há um movimento, mesmo que inconsciente, de apagar algumas figuras femininas culturais importantes. Rachel, Chiquinha Gonzaga, Tia Ciata...