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Foto do escritorMatheus Mans

Resenha: 'Daqui Não Saio' versa sobre solidão, espera e tristeza


Curon Venosta é uma cidade encravada na fronteira entre Itália, Áustria e Suíça. E assim como qualquer cidade fronteiriça ao redor do mundo, há graves problemas de identidade na região. Os moradores se sentem pertencentes de uma determinada região, um país acha que tem direito de fazer o que quiser ali, outro quer mais territórios. É a deixa para profundas transformações.


E é num cenário assim que se passa o excelente Daqui Não Saio, livro do italiano Marco Balzano. Em tom confidencial, a narrativa mostra a jornada de Trina, uma mãe em Curon que passa por intensas experiências: dá aulas para crianças escondida de fascistas, ama seu marido, quer ter filhos, vê sua filha ir embora, enfrenta a guerra, dá conta da fazenda sozinha. Vive a sua vida.


E o que torna a narrativa tão cativante e emocionante é o cenário dessa trama. Mais do que apenas contar a história dessa mulher forte, Balzano se aprofunda na história da cidade Curon. No meio da Segunda Guerra Mundial, tudo ali se transforma numa intensidade de tirar o fôlego. A protagonista, Trina, acompanha tudo isso num ritmo vertiginoso de sobrevivência.


Afinal, a literatura de Marco Balzano é elegante, delicada e profunda. Acompanha as emoções e os sentimentos de Trina enquanto modula a situação ao redor da personagem. O ambiente de Curon é um personagem tão poderoso quanto essa mãe. Ainda mais quando percebe-se que essa cidade -- hoje considerada italiana -- existiu de fato e teve seu fim como dito no livro.

Curiosamente, vale ressaltar, Daqui Não Saio em momento algum se torna óbvio. Poderia, por conta do destino da cidade Curon, ser algo parecido com Narradores de Javé. Por conta do cenário de Segunda Guerra Mundial, poderia ser como qualquer literatura sobre esse período. Mas não. Balzano traz um ângulo novo, ainda que não totalmente original, e o reinventa.


Assim, num ritmo de ficção histórica, Balzano reconstrói a História enquanto a entrelaça com um drama verdadeiro, materno, poderoso. Daqui Não Saio transborda de emoção, sinceridade e sentimento. Cada uma das cerca de 200 páginas passa algum tipo de história que transcende as páginas e faz entender esse povo, essa mulher, a família. Balzano não poderia ser mais claro.


Muitos podem se decepcionar com a conclusão. Balzano, afinal, apressa algumas histórias, facilita alguns desfechos e, principalmente, deixa uma trama no ar -- que é provocada desde a primeira linha da obra. Pode, de fato, causar desconforto. Mas, ao pensar um pouco no livro, percebe-se as intenções do autor. Isso, escrito de maneira diferente, poderia desvirtuar a obra.


Daqui Não Saio é um livro que se transforma, assim como Curon se transformou ao longo do século XX. É potente, é emocional, é verdadeiro. A transição entre História e ficção ganha camadas e vai além. Já é um dos melhores lançamentos literários de 2020 e, sem dúvida, vai figurar na lista do final do ano. Difícil achar outro livro tão inteligente, sensível e poderoso.

 
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