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Foto do escritorMatheus Mans

Resenha: Com três contos, 'Pela Janela de Casa' mostra desafios da quarentena


Pela primeira vez na História, o mundo está em casa. Com exceção de profissionais de setores essenciais, trabalhadores de uma grande parte do planeta tiveram que se refugiar dentro de seus lares para evitar a contaminação do novo coronavírus. Rotinas foram quebradas, hábitos foram deixados de lado. Com isso, as pessoas tiveram que lidar com o isolamento obrigatório.


Sensível à essa movimentação social, a Editora Planeta lançou uma trilogia de contos -- em formato de eBook, cada um vendido separadamente -- que fala sobre diferentes perspectivas do isolamento. É o projeto Pela Janela de Casa, que chegou às lojas virtuais no começo do mês e propõe fazer uma reflexão diferenciada sobre este momento que quase todos nós vivemos.


Abaixo, confira nossa opinião sobre cada um dos contos. E aproveito: se puder, fique em casa.


Pela Janela, de Raquel Segal


O mais diferenciado dos três contos, Pela Janela se propõe a contar uma história "entre varandas". Para isso, a escritora Raquel Segal (do livro Sempre Faço Tudo Errado Quando Estou Feliz) mergulhou na vida de duas pessoas. De um dos lados da janela, Rebecca. Ela é preocupada com o trabalho e mora bem numa cobertura. Do outro, o despreocupado Marcelo.


Vizinhos, mas desconhecidos um dos outros, eles acabam iniciando um bate-papo com cartazes diretamente de suas janelas. Vão se conhecendo, conversando. É quase como se Medianeras tivesse funcionado assim, com os personagens papeando cada um de sua casa. E as coisas vão aumentando, porém, quando Rebecca nota a vida de um casal de vizinhos ao apê de Marcelo.

No início, eles são perfeitos. Felizes. No entanto, conforme o tempo vai passando, Rebecca vai notando algumas coisas estranhas. Um comportamento triste da mulher, alguns abusos dele.


É assim que Segal constrói uma história cheia de caminhos, sentidos e reflexões. Ainda que em um primeiro momento pareça que a história é sobre um amor em tempos de pandemia, a autora traz alertas importantes sobre violência doméstica -- algo que aumentou absurdamente no Brasil durante tempos de pandemia e que precisa ser combatido com informação e divulgação.


É, assim, uma obra que vai além. Que sai do lugar-comum. Que provoca o leitor em quarentena.

O Cuidador de Pássaros, de Matheus Rocha


O mais fraco das três histórias, O Cuidador de Pássaros é uma auto-ajuda disfarçada de romance moderno. Para isso, o autor Matheus Rocha (de Pressa de Ser Feliz) fala sobre amor, medo, insegurança e solidão. Na história, o próprio Matheus narra a jornada de sua família, desde o período de namoradeira da avó, até chegar aos desencontros amorosos do autor.


A partir daí, ele começa a refletir sobre o período de solidão na quarentena, a falta que faz amar alguém e ter alguém ao seu lado e, principalmente, sobre a necessidade real de ter alguém. É um conto que até começa bem, com um formato de diário e se propondo a mergulhar na psiquê desse personagem tão interessante e que tenta lidar com os desagrados do isolamento social.

É interessante acompanhar a jornada mental e psicológica do personagem, que em momentos de pandemia recorre à emoções e sentimentos do passado e de histórias reais de família.


No entanto, na guinada final, a história se perde. Uma reviravolta meio estranha é encaixada ali apenas para construir uma mensagem edificante. No final das contas, acaba sendo uma história esquecível e pouco criativa -- por mais que as intenções sejam boas. Preferia as reflexões de família com histórias palpáveis do que devaneios que te tiram totalmente das páginas. Pena.

Dono do Tempo, de Bruno Fontes


Por fim, o escritor Bruno Fontes (do simpático O Que Eu Faço com a Saudades?) mergulha na história que deve ser a mais identificável nesta quarentena: a de quem mora sozinho. Em seu conto Dono do Tempo, o autor acompanha um dia na vida de um rapaz solitário. A mãe está sempre preocupada, ele está sempre mergulhado num projeto que não avança e por aí vai.


No entanto, sua situação muda quando uma garota, que ele conheceu pouco tempo antes da quarentena, liga no seu celular. A ligação é inesperada. Parece urgente. No entanto, os dois engatam uma conversa estranha, típica daquele casal que se ama, mas não quer dizer isso em voz alta. Que quer ficar junto, mas finge que a distância e o tempo para cada é melhor.

A partir disso, Fontes narra uma espiral de acontecimentos interessantes e que mostram como nossos sentidos e emoções ficaram abalados neste período de isolamento social. Há algumas confusões e aqui ali, assim como algumas gorduras no texto. No entanto, o autor sabe como trazer os sentidos à flor da pele e colocar texturas de realidade na relação com essa tal garota.


E como disse no começo, é a história mais palpável e mais próxima de cada um de nós. Difícil não se identificar numa mensagem, numa ligação, num gesto. É um conto universal, interessantíssimo, e que conseguiu captar o sentimento de muitos jovens frente ao coronavírus. Não é tarefa fácil. Por isso, acredito que este é a melhor surpresa do Pela Janela de Casa.

 
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