Foi Rick Riordan que começou, na saga de livros Percy Jackson, a onda de introduzir elementos culturais e mitológicos de diferentes países e sociedades em tramas juvenis. O autor americano, aliás, já foi além de águas gregas e escreveu histórias sobre romanos, nórdicos e até egípcios. E é claro, ele não é o único. A partir do sucesso dos seus livros, autores em todo mundo começaram a perseguir tramas didáticas, com uma espécie de fórmula unindo suas essências, para falar sobre jovens que encontram um mundo de magia inexplorado no coração de seus folclores e costumes mitológicos.
O mais novo livro a perseguir esses mesmos objetivos de Riordan é Bruxa Akata, da escritora americana Nnedi Okorafor. Editado pelo Grupo Editorial Record sob o selo da Galera, a obra acompanha a vida de Sunny, uma garota nigeriana que sofre um duro preconceito na escola por ser albina. No entanto, ela acaba descobrindo que, por trás do problema de sua pele, há magia. Sim: ela, assim como Percy Jackson, Harry Potter e tantos outros, acaba descobrindo um mundo mágico, até então escondido de sua vida.
A linha narrativa geral do livro, como é de se esperar, é óbvia e pouca criativa. Ao invés da cicatriz ou da dislexia, a pele albina. Ao invés de Dumbledore ou Quíron, o mago Anatov. No lugar de Ronny e Hermione ou Annabeth e Grover, os colegas Chichi, Orlu e Sasha. São elementos básicos e que, aos poucos, se tornam clichê dessa literatura que une magia e saga juvenil. Por um lado, é positivo. Afinal, um público mais novo e que não está acostumado a ler, sente-se confortável e sabe por quais águas vai trafegar. Por outro lado, porém, parece que falta força criativa para que escritores larguem fórmulas.
O próprio vilão de Bruxa Akata, a mago Chapéu Preto, parece apenas uma variação de tantos outros que já povoaram os livros desse subgênero. Nada muito surpreendente.
Mas, apesar dessa falta de originalidade, Bruxa Akata é um livro delicioso de ser apreciado e lido. Como? Simples: Okorafor vai fundo na cultura e na mitologia da Nigéria e transforma todos conceitos e ensinamentos sobre o tema em algo didático, palatável e desafiador de ser enfrentado. Cada página, cada situação vivida por Sunny, coloca um tijolo a mais nos conhecimentos do leitor sobre a cultura africana, indo muito além dos batidos estereótipos já conhecidos sobre o continente. É recompensador ler um livro que traz conhecimentos e deixa isso evidenciado, mesmo sem jogar na cara do leitor.
O universo mágico contruido ao redor de Sunny e seus amigos também sai da mesmice. Ao invés de apostar em algo genérico, como foi feito por Riordan, Rowling e tantos outros, Okorafor pensa em detalhes. Não é apenas um feitiço jogado à esmo, por exemplo. Cada encantamento citado no livro possui algum vínculo com a realidade da Nigéria ou de países vizinhos. Há, também, pequenas situações inofensivas que ajudam a construir a mitologia de um jeito encantador -- como uma vespa de estimação que faz esculturas diariamente e espera ser felicitada por seu trabalho pelo dono. É muito bom.
Okorafor, que já escreveu o livro adulto Quem Teme a Morte, também merece destaque. Sua escrita é leve, fluída e ajuda a mascarar a obviedade da estrutura narrativa -- além, é claro, do já citado aprofundamento cultural. A construção de personagens também é ponto positivo. Ainda que Chapéu Preto seja um vilão extremamente raso, Sunny compensa com uma complexidade doce, sutil e muito emocional. Excelente personagem que merece ser mais explorada em possíveis futuros livros. Chichi, Orlu e Sasha possuem menos aprofundamento, é claro, mas ainda assim se destacam nas páginas.
Bruxa Akata, assim, é um livro que segue um caminho óbvio de estrutura e até desanima no início. Parece que vai ser só mais uma reprise desse subgênero que saturou o mercado juvenil nos últimos anos. No entanto, o cuidado na criação dos seus personagens, a boa escrita e a profundidade dedicada à cultura nigeriana faz com que a leitura se torne agradável e surpreendente. A torcida é que a autora e as editoras ao redor do mundo continuem a jornada de Sunny e seus amigos. É bom, às vezes, sair da mesmice da Europa e dos Estados Unidos e embarcar em novas culturas e mitologias.
Livros abrem portas, faz o leitor viver novas vidas. E é sempre viajar um pouco mais longe, não é mesmo?
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