Que maravilha é ler um livro e, já no meio da leitura, descobrir que é uma daquelas histórias mágicas, essenciais, que fazem a diferença. Este é o caso do ótimo As Desventuras de Arthur Less, livro que ganhou o Pulitzer de ficção em 2018 e que chega ao Brasil pelas mãos do Grupo Editorial Record. É, afinal, uma história inicialmente banal, que parece desinteressante, mas que vai encorpando e ganhando contorno de algo maior, mais intenso e muito mais desafiador para o seu leitor, refém de si próprio.
A trama, escrita por Andrew Sean Greer (As Confissões de Max Tivoli), conta a história de Arthur Less, um escritor que não está num período muito bom de sua vida. Afinal, o rapaz com quem se relacionou nos últimos tempos está prestes a se casar com outro homem, o amor de sua vida toda está internado debilitado e o livro que escreveu, sobre um homem que decide caminhar ininterruptamente por São Francisco, não foi bem aceito por sua editora e corre o risco de nem ser publicado. A vida de Less está um caos.
Assim, ele resolve aceitar uma série de convites para palestras e prêmios em outros países. É a chance que ele vê de dar uma volta pelo mundo, gastando pouco de seu próprio bolso e, ainda, ajudando-o e espairecer e a encontrar ambientes propícios para reescrever seu livro. É a partir disso, então, que Sean Greer tece uma trama que traz uma série de questionamentos sobre as relações humanas, sexualidade, envelhecimento, pertencimento ao mundo que está ao seu redor, amizades e afins.
Pode parecer, resumindo dessa maneira, que o autor enfiou uma série de aflições suas, e extremamente pessoais, dentro da história de Arthur Less -- há semelhanças, inclusive, como o fato do personagem ser escritor, da relação com o Pulitzer, enfim. Mas não é nada disso. Less, que remete ao seu significado em inglês de "menos", é um microcosmo da vida de uma pessoa comum. Que sofre, que não é aceito pela sociedade, que tem medo da vida que começa a chegar ao seu espaço final, já na casa dos 50 anos. Lembra daquele filme com Ben Stiller, A Vida Secreta de Walter Mitty. Lembra desse?
É, então, uma leitura que fará sentido para quem quer que a esteja lendo. Mais do que contar a trajetória de um homem desiludido, As Desventuras de Arthur Less narra toda a complexidade que existe ao tentar lidar com a vida e com os desafios que se impõem. E mais: em determinado momento da leitura, Andrew Sean Greer também começa a trazer interpretações sobre a vida e que causam um impacto real. Será que vivemos uma tragédia ou comédia? Será meio a meio? Ou será que vai da sua interpretação?
São questões que o livro traz à baila que, mais do que complementar qualquer narrativa, criam um diálogo permanente com o leitor. O próprio Arthur Less é criticado por escrever um personagem sem vida e que não comove seus leitores. Afinal, é um homem andando pelo mundo, sem rumo, e sem saber o que fazer de sua vida. E o que é Arthur Less? Andrew Sean Greer, espertamente, transporta a história do livro do personagem, rejeitada por editoras, para as páginas de seu próprio livro. Há mais identificações entre público, escritor e personagem do que parece num primeiro instante. Tudo vai além.
Ou seja: é um livro que cria interesse, causado pela boa qualidade literária de Sean Greer e pela boa construção do personagem de Less; ao mesmo tempo que traz aquela sensação de que algo está sendo provocado dentro de você. Une a leitura agradável, fácil de ser devorada, com uma necessária reflexão sobre as barreiras da vida -- se é que elas existem. É o que pode haver de melhor na literatura. Afinal, o que mais se vê por aí são histórias que acabam acertando apenas em um desses espectros citados.
Assim, As Desventuras de Arthur Less é um daqueles livros obrigatórios para quem, como eu, já começa a questionar os limites da vida, as possibilidades, o que deve ou não ser feito e até quando o medo da "opinião pública" assombra. Devo fazer isso? Não devo? Devo fugir dos meus problemas? É uma história que, claro, não traz respostas prontas -- pelo contrário, há uma imensidão de perguntas que pipocam ao longo de suas 251 páginas. Mas a reflexão que ele causa, e a demanda por um pensamento crítico sobre si mesmo, faz com que esta seja uma leitura especial. Arthur Less é a gente. É nossa vida.
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