Muitos podem dizer que o título desta resenha é redundante. Afinal, Saramago usa e abusa da poesia em sua prosa. É uma de suas marcas. No entanto, peço licença ao leitor ávido do escritor português para dizer: A Viagem do Elefante transborda poesia como poucos. Ao longo de suas 256 páginas, o livro se supera ao contar a jornada de um elefante indiano entre Portugal e Viena, capital da Áustria. Uma mera, e aparentemente desinteressante viagem, se torna algo muito mais poderoso nas mãos se Saramago.
Em A Viagem do Elefante, conhecemos Salomão. Ele é um elefante indiano, mas que reside em Portugal -- sob a regência de D. João III, excêntrico como todos os governantes de mesmo nome. Assim, de um dia pro outro, o monarca decide dar o tal elefante de presente para o arquiduque Maximiliano da Áustria. É aí que se inicia a jornada do animal e do Subhro, o tratador indiano que acompanha Salomão desde a sua vinda da Índia. É uma jornada e tanto, repleta de um monta-russa emocional e pessoal.
Afinal, como qualquer livro de Saramago, as coisas não param na superfície. E neste não é diferente. Por mais que a tal viagem entre Portugal e Áustria seja contada em seus mínimos detalhes, há uma subtrama falando sobre vida, importância na sociedade e personalidade. Salomão é o protagonista, mas Subhro, que é desenvolvido brilhantemente por Saramago, é quem brilha. Sua vida é submetida aos gostos da corte, dos generais e, é claro, do elefante. Pensam e sofrem por Salomão. Mas não por Subhro.
Além disso, há de se destacar o bom humor do narrador. Ele vai tecendo comentários pertinentes, por vezes irônicos. Por meio dele, percebe-se as complexidades das relações entre corte, plebeus e animais. Ele exemplifica o que é a vida, as relações.
Ao longo das 256 páginas, Subhro e Salomão também vão se tornando cada vez mais especiais. Ambos possuem uma delicadeza na construção imagética que emociona. Impossível não torcer não só pela jornada de ambos entre Portugal e Áustria, como também pela jornada interior de cada um deles -- inclusive de Salomão, que passa por eventos marcantes nessa sua jornada entre os dois países. É uma verdadeira road trip em pleno século XVI, repleta de particularidades e desafios inerentes da época.
Assim, A Viagem do Elefante é um livro aparentemente simples. Não possui a robustez de obras como O Evangelho Segundo Jesus Cristo ou Ensaio Sobre a Cegueira. Mas a beleza da poesia de Saramago, incrustada em sua prosa inigualável, continua firme e forte, presente em cada palavra, cada página, cada personagem. Subhro e Salomão são personagens simples, mas marcantes. Que querem dizer muito, mas com muito pouco.
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