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Foto do escritorMatheus Mans

Resenha: 'A Mulher do Meu Marido' é trama tensa, ainda que arrastada


Duas coisas estão em moda, atualmente, na literatura bestseller: thrillers domésticos e tramas que contam duas histórias ao mesmo tempo sem uma aparente ligação. O primeiro fator vem com força no mercado editorial após sucesso de títulos como Garota Exemplar e A Garota no Trem, que levam o suspense para dentro de quatro paredes. O outro, enquanto isso, é um desdobramento natural de autores que anseiam em contar histórias mais complexas, mas sem perder uma linha narrativa simples que seja fácil de desenvolver e, principalmente, fácil de ser compreendida por amplo grupo de leitores.

A Mulher do Meu Marido é mais um livro que entra nessa categoria. Escrito por Jane Corry, até então inédita no Brasil, a obra acompanha a história de duas mulheres: Lily e Carla. A primeira é advogada e responsável por defender um homem acusado de matar a mulher queimada em uma banheira. Ainda um pouco inexperiente, Lily precisará lidar com a pressão externa e, principalmente, psicológica do caso. Carla, enquanto isso, é uma garotinha italiana que mora num apartamento vizinho e que possui uma criatividade e tanto. Aos poucos, vai se aproximando de Lily e do marido Ed, desenhista.

Não há elementos realmente inéditos ou surpreendentes na história de A Mulher do Meu Marido. Com mais de 400 páginas, a obra se divide em dois momentos temporais distintos -- e bem marcados -- que se complementam e que trazem elucidações. Como já ressaltado, as duas personagens parecem ter quase nenhuma relação. Mas, de maneira bem lenta e um tanto quanto arrastada, Corry vai unindo-as e deixando tudo mais palatável. É levemente surpreendente e um tanto quanto frustrante, já que fica a sensação de que a história estava escondendo fatos essenciais durante várias páginas.

Mas, ainda assim, A Mulher do Meu Marido consegue produzir tensão genuína. Ainda que a história de Carla tenha poucos momentos interessantes em sua primeira passagem temporal, a de Lily ajuda a criar o suspense, a suspeição e o interesse. É crível e envolvente a saga jurídica da personagem, ao melhor estilo das histórias de John Grisham (O Homem que Fazia Chover, O Dossiê Pelicano). É bem contado por Corry. A relação entre Lily e o marido Ed também é intensa e desperta emoções quase primais no leitor. Difícil manter a calma e a paciência com um homem tão chato.

Mas, ainda assim, vale destacar o bom trabalho da autora em criar a personalidade e a profundidade psicológica dessas duas personagens durante a primeira metade. Lily traz um comportamento extremamente complexo de quem está vivendo no seu limite -- lembra, em partes, o de Rachel Watson de A Garota no Trem. É interessante cair em seus devaneios e reflexões. Carla, apesar de bem menos interessante, tem uma boa e aprofundada construção psicológica infantil. A relação com o exterior, com objetos, com o amante da mãe. São momentos singelos, quase delicados, que ganham força interior.

Depois da virada temporal, porém, o livro muda totalmente de postura, já que Carla ganha mais espaço e esse entrelaçamento acima citado vai ganhando forma. Aqui, a literatura jurídica a la Grisham fica de lado para o esperado thriller doméstico, com uma boa dose de vingança, cobiça e traição. É a fórmula básica do gênero, como já foi utilizada inúmeras vezes por aí -- recentemente, por exemplo, no bom Que Tipo de Mãe É Você?. O problema aqui é que, tendo duas histórias tão distintas, é quase impossível não compará-las e, assim, tecer paralelos narrativos enquanto a leitura transcorre.

Corry, apesar de não ser uma escritora extremamente criativa, conseguiu prender a atenção na trama jurídica inicial. Quando há a virada de trama e o thriller doméstico passa a ser o centro das atenções, as fragilidades de sua escrita ganham corpo e mais presença. Fica notável a falta de vínculos com a realidade, fazendo com que muitas reviravoltas trafeguem entre o óbvio e o inacreditável -- é aquele momento quando se solta um sonoro "ah, tá!". Falta maiores explicações, falta maior aprofundamento. Foi assim que Gillian Flynn, afinal, conquistou o mundo e o gênero com Garota Exemplar.

O livro, dessa maneira, termina numa nota menor, menos sonora. O espetáculo ganha espaço em cima da literatura bem pensada que Corry fez durante a primeira metade de leitura. Parece um mais do mesmo arrastado, sem muita inspiração. Infelizmente, o mundo literário está entrando novamente na ponta do círculo, quando um subgênero se esgota e outros sucessos começam a tomar conta e a incentivar as novas narrativas. Não é um livro ruim, é claro. Mas parece que é uma história que chove no molhado, só indispensável para aqueles que desejam, demais, continuar imersos no suspense entre quatro paredes.

 
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