O longa-metragem O Olho e a Faca se passa quase que inteiramente em uma plataforma de petróleo. Seu protagonista, Roberto (Rodrigo Lombardi), é um homem que começa a ficar perturbado por conta do poder que chega de maneira quase inesperada em suas mãos. Em busca de se manter no cargo de coordenador daquele lugar, ele começa a passar por cima de amigos e família, principalmente do amigo Vagner (Roberto Birindelli) e da sua esposa Cris (Maria Luísa Mendonça). Tudo ali vai mal.
A partir dessa premissa, o cineasta Paulo Sacramento construiu uma trama que trabalha aspectos pessoais dos personagens em consonância com o ambiente hostil ao seu redor. "Tudo partiu do fascínio e da vontade de querer conhecer as plataformas de petróleo. E, depois, de ver como aquilo era rico e como aquilo gerava dados para podermos trabalhar", afirma o diretor em entrevista ao Esquina. "Dados como toda a racionalidade dos funcionários, a mostra do triunfo sobre a natureza, todos riscos."
Riscos, aliás, não faltaram para os atores e equipe técnica. Para rodar o filme, eles ficaram 14 dias em uma plataforma real, em funcionamento. Todos os atores -- menos as participações especiais, claro -- fora no primeiro dia e voltaram só no último. Sacramento ainda teve que ficar mais um dia ou dois para fazer alguns planos faltantes. E tudo isso, claro, tinha riscos que uma plataforma em funcionamento, que está perfurando o solo do oceano e sugando litros e litros de petróleo. O medo era real.
"Era uma loucura", resumiu o ator Roberto Birindelli (Polícia Federal: A Lei é para Todos) ao Esquina. Segundo ele, cada movimento deveria ser minuciosamente pensado. Uma equipe da própria plataforma acompanhava todas as gravações para que não houvesse riscos desnecessários -- como se apoiar em lugares sensíveis ou entrar em áreas perigosas. "Teve um dia que o técnico de som se apoiou numa grade para fazer uma cena. O técnico em segurança da plataforma quase surtou. Poderia ter sido fatal ali."
Essa tensão acompanhou o grupo ininterruptamente. Todos, aliás, se vestiam igual -- seja atrás ou na frente das câmeras. Afinal, era preciso usar trajes de segurança independente de sua função. "Parecia que a gente estava se filmando, que estávamos participando do filme", conta Sacramento, empolgado. "Estava vivendo tudo aquilo."
Isso é algo bem diferente, aliás, do que fez a TV Globo na série Ilha de Ferro. Estrelada por Cauã Raymond, a produção também contava a história de um grupo de funcionários de uma plataforma de petróleo. No entanto, a emissora de TV decidiu não correr riscos, e gastar um pouco mais, e construir uma plataforma cenográfica, dentro de seus estúdios. Assim, ninguém ficaria preso num único lugar e não haveria tensão frequente.
Birindelli ainda conta que, apesar do entusiasmo de gravar num lugar completamente diferente, havia uma tensão que não acabava. Ele e Rodrigo Lombardi, logo que acabaram as gravações, voltaram de helicóptero para o Rio de Janeiro e entraram num carro para serem levados para casa. Os dois "desmaiaram". "A gente apagou totalmente. Fui acordar três horas depois. O Rodrigo até mais que isso", disse o ator. "Era muita tensão acumulada. Quando saímos de lá, parece que ela se dissipou, do nada."
Objetivos
Para contar essa história, Sacramento decidiu seguir seu sentimento e não partir para uma coisa óbvia. Diretor dos bons Riocorrente e O Prisioneiro da Grade de Ferro, o cineasta quebrou paradigmas e expectativas ao longo da filmagem. "Ele começa como se fosse um 'cinemão', mas vai entrando para algo mais introspectivo. O filme vai se tornando mais pessoal e ficando mais com a minha cara. Fica mais estranho, com arestas, buracos, coisas que não quero contar. Isso sem falar do silêncio que paira."
O silêncio, aliás, acaba por dialogar com a excelente música de Paulo Beto (O Segredo de Davi). Sacramento, desde o começo dos trabalhos, disse para o compositor que queria uma coisa bem diferente. Que tirasse o espectador do seu conforto habitual. "Eu comecei já querendo gaita. É delicada, metálica. Queria essa sonoridade", disse o diretor. "Depois, ele sugeriu de alternar o ritmo da música. Ao invés do habitual, queria uma música que fosse infinita. Para que o espectador não percebesse quando termina."
Essa estranheza acabou fazendo par, principalmente, com o rumo narrativo do filme. A personagem de Maria Luísa Mendonça (Carandiru), por exemplo, nunca vai à plataforma de petróleo. Só está sempre à espera de seu marido, em casa, terra firme. Seus silêncios falam muito e, com essa trilha incomum, acabam criando o clima geral desse filme. "Muito da minha personagem não é dito, apenas sentido", disse a atriz em entrevista. "É um trabalho desafiador, mas que deixa o resultado final muito melhor."
E, segundo Sacramento, o objetivo foi cumprido. "Não gosto de falar exatamente para o espectador sobre o que está acontecendo. Dar explicações não é comigo", disse o cineasta. "Esse é um filme mais aberto, mas não queria abrir tanto. Queria sair do óbvio. Perco grande parte do meu público com o final, quando ele se transforma. Saio do esperado para algo mais autoral e, por vezes, difícil de decifrar. É o que eu queria com a trilha, com o elenco, com a história. Acho que, no final, o resultado ficou bom. Agrada."
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