Com cada vez mais frequência, a Netflix tem produzido suas próprias séries de televisão, variando desde comédias leves até dramas mais envolventes. Como é de se esperar, visto a contínua popularidade da plataforma, muitas delas tomaram grandes proporções, ficando conhecidas no mundo todo. Exemplos disso é Stranger Things, que retoma o ambiente dos anos 1980, e a polêmica 13 Reasons Why, que traz à tona o tabu do suicídio. Ainda que a Netflix possua conteúdos excelentes, desde sua direção até seu roteiro, muitos deles não recebem a devida valorização, como é o caso de Atypical.
Com a segunda temporada já confirmada, a série conta a história de um garoto do Ensino Médio com Síndrome de Asperger. Porém, mais do que centrar somente no protagonista e em sua condição, a série explora bem tanto a questão familiar como a afetiva. Interpretado com maturidade pelo ótimo Keir Gilchrist, Sam é um adolescente que se apaixona por sua psicóloga Julia (Amy Okuda), mas tem dificuldades quanto à dinâmica dos relacionamentos amorosos.
Após uma conversa com o pai, resolve encontrar uma namorada de treino, justamente para praticar habilidades sociais, com foco nas mulheres, e a partir disso a história começa a se desenvolver de maneira coerente.
Mais do que falar da série extremamente acolhedora que é Atypical, sinto-me na obrigação de elogiar a atuação de Keir Gilchrist no papel de protagonista. Anos atrás, pude assistir Kind of a Funny Story, de 2010, em que ele interpreta um garoto que que é internado num hospital psiquiátrico após uma tentativa de suicídio.
Desde lá, sua delicadeza em dar vida à personagens que possuem alguma questão psíquica chamou minha atenção, e isso não é diferente agora, 7 anos depois. Para entrar em detalhes sobre a atuação de Gilchrist, é preciso esclarecer alguns aspectos a respeito da própria Síndrome de Asperger, e diferenciá-la do próprio autismo.
O Transtorno do Espectro Autista faz com que os pacientes apresentem grandes atrasos no desenvolvimento da fala, além de sofrerem comprometimento cognitivo grave. Quem assiste Atypical acreditando que Sam é autista, enxerga aquilo como algo muito improvável, e até mesmo errado conceitualmente. Mas, ao contrário do autismo, portadores da Síndrome de Asperger possuem uma fala muito bem desenvolvida, muito literal. Além disso, costuma ser bastante comum que possuam um interesse específico por longos períodos de tempo, algo que na série foi muito bem trabalhado, ficando evidente - pinguins, claro.
Cria-se uma empatia enorme com o protagonista, que só aumenta com o passar dos episódios. Não requer nenhum esforço para perceber o quão verdadeiro ele é, sempre com boas intenções. Acredito que parte disso seja resultado de uma estratégia utilizada na série, que são as sessões de terapia, visto que boa parte das cenas implicam em Sam conversando com a sua psicóloga. Esse momento reservado, em que está somente ele se abrindo sobre a própria vida, passa a sensação de que ele está contando justamente para o espectador, e não para a psicóloga. Esse momento da terapia é essencial para a própria história, mas também foi um eficiente dinamismo para criar o efeito de empatia.
Acredito que o aspecto mais sutil, mas também mais interessante, na série é a humanidade. De maneira leve, com cada um em uma situação, pode-se perceber como todos são humanos e cometem erros, erros que foram resultados de um contexto maior.
A mãe, interpretada por Jennifer Jason Leigh, constantemente centra toda sua preocupação no filho, a ponto de deixar de lado sua própria vida. Quando Sam começa a apropriar-se mais de sua independência, isso inevitavelmente traz uma mudança para ela. Uma forma de reencontro consigo mesma é seu caso com o bartender Nick (Raúl Castillo), que apesar de pouco convincente, dá um toque de emoção na série.
A atuação de todos na série é elogiável, ainda que o pai Doug (Michael Rapaport) e a irmã Casey (Brigette Lundy-Paine) parecem ter recebido menos atenção durante essa temporada. Ambos cometem erros, mas a história é tão bem contada que faz com que nós tenhamos completo entendimento sobre eles. A primeira temporada deixa algumas questões em aberto, ao mesmo tempo que dá um fechamento apropriado. Atypical é uma série leve: você se diverte com alguns trejeitos de Sam, entende a típica fase adolescente de Casey, começa a ter interesse na relação proibida da mãe e se emociona com a aproximação do pai em relação ao seu filho. Leve, mas excelente.
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