Patrimônio cultural brasileiro, o circo já faz parte do imaginário das pessoas em todo País. Com a lona colorida, palhaços e, em outros tempos, animais domados, o palco itinerante marcou gerações e ficou cristalizado na memória de muitas pessoas. Por isso, é natural que de tempos em tempos surjam filmes sobre este ambiente, como foi visto em O Palhaço, de Selton Mello, e no longa-metragem Os Pobres Diabos, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 6.
O começo do filme, lento e um tanto quanto poético, prende qualquer espectador que tenha ligação com o circo -- seja ela emocional ou, até mesmo, profissional. É belíssimo ver os planos do diretor Rosemberg Cariry, que está em seu 12º longa-metragem, retratando a montagem do circo em meio ao agreste nordestino, fazendo com que o colorido da lona tome conta do alaranjado opaco das terras secas do nordeste brasileiro. É a alegria entrando no lugar do seco, do árido.
No entanto, logo a expectativa do espectador é quebrada quando é apresentada a trupe de artistas. Ao contrário do luxo de artistas, encontra-se um circo mambembe que luta para continuar na ativa e sobreviver em meio ao agreste, passando por fome e desamparo social. Internamente, os artistas lutam pelo dilema entre a vida e a arte: será que vale a pena ver a vida passar pelos olhos enquanto luto para continuar com um circo que ninguém mais assiste?
A partir daí, toda história começa a ser desenvolvida sobre o olhar dos artistas circenses e, principalmente, sob o trio amoroso formado pelos atores Chico Diaz, Sílvia Buarque e o sempre inspirado Gero Camilo. Cada um com seus problemas e com seus objetivos na vida e no circo, conhecemos as dificuldades que afetam essa classe de artistas e grande parte de suas particularidades como autônomos e nômades. Tudo tem um ar teatral, um aspecto de encenação proposital. Prende quem está assistindo.
Há, no entanto, um excesso de metáforas e ironias. Em certo momento, por exemplo, o diretor monta uma cena de um jantar dos circenses como se fosse a Santa Ceia, numa reprodução quase literal do afresco A Última Ceia, de Leonardo Da Vinci. Há exageros sonoros e na montagem de algumas cenas, que ficam artificiais e não entram no ritmo de algumas das situações da história. Com isso, a teatralidade ganha ares artificiais em alguns pontos da narrativa.
De maneira geral, porém, o ar teatral vai muito bem até a segunda metade do filme, quando o longa ganha um tom trágico -- afinal, assim como no teatro, o circo também conta com comédia e drama em iguais medidas. A mudança brusca de linguagem afeta o ritmo da história, que já tinha se estabelecido como um resgate histórico e nostálgico do circo, demora a emplacar novamente. Além disso, o excesso de teatralidade afeta a crítica que tenta ser construída na última parte do filme.
Com isso, o final do filme, mesmo que impactante, perde pontos pela confusão que causa no espectador. Há passagens que parecem oníricas, mas em nenhum momento este tipo de linguagem foi usado no filme por Cariry -- uma delas, envolvendo Diaz, causa vergonha. O grande ato final, enquanto, isso, ganha pontos pela beleza da fotografia, mas não se decide entre o tom a ser empregado. Com isso, o espectador termina o filme com um sentimento de que faltou algo na narrativa e de que o circo brasileiro ainda merece um filme à altura de sua história.
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