Como é gratificante chegar ao final de um ano e ter a certeza que passamos por um bom período no cinema. Apesar de muita coisa realmente ruim, como podem acompanhar na minha conta no Letterboxd, 2023 nos entregou ótimos filmes. Não à toa, fiquei até tentando em aumentar a lista para 12, talvez 15 filmes. Mas me contive. Concisão privilegia os excepcionais.
A seguir, confira a seleção do Esquina para os 10 melhores filmes do ano. Tem de tudo um pouco. E, como sempre, te convido a elencar, nos comentários, seus títulos preferidos.
10. Maestro
Muita gente não gostou de Maestro, mais um trabalho de Bradley Cooper na direção -- que brilhou em Nasce uma Estrela. As pessoas acharam chato, moroso, equivocado. Confesso que, quando saí da sessão, senti o mesmo. Até perceber que não conseguia, não podia tirar esse filme da cabeça. É equivocado pensar que é uma cinebiografia convencional sobre um maestro brilhante. É, na verdade, o retrato de um relacionamento preso em convenções e no amor.
Sim: Leonard Bernstein (Cooper) não queria estar nesse relacionamento com Felicia Montealegre (Carey Mulligan). No entanto, veio a paixão. Depois, o amor e a admiração. Ele sente atração por outras pessoas, mas ama demais sua esposa. Como proceder? É um filme que traz uma situação absurdamente complexa e com atuações emocionantes. É um filme complicado, sim. Mas dá pra gostar demais ao se deixar mergulhar. Crítica completa do filme AQUI.
9. Asteroid City
Outro filme complicado de gostar. É Wes Anderson puro, na essência, com seu estilo inconfundível com cores pastéis e enquadramentos impecáveis e simétricos. No entanto, como um bom filme deve ser, Asteroid City não é apenas visual. Aqui, Anderson faz um tratado existencialista sobre o luto -- como apontei na crítica. Ao contrário dos filmes anteriores de Wes, Asteroid City vai fazendo charme, se mostrando difícil. As coisas não são reveladas de pronto. O próprio fato e os motivos de que o personagem de Schwartzman está de luto se demoram. Wes Anderson parece se deliciar com esse atraso. Afinal, primeiramente, coloca o público dentro dessa história improvável para, aos poucos, surpreender com um debate além do esperado.
O filme é o mais ousado e provocativo de Anderson, que sai da caixinha e cria uma história que versa, dentre outras coisas, sobre luto, conhecimento pessoal, existencialismo e, até mesmo, sobre como a arte pode ser uma forma de nos fazer enfrentar a inevitabilidade da vida e da morte por meio de um personagem que cresce inesperadamente conforme o absurdo surge.
8. Missão: Impossível: Acerto de Contas - Parte Um
Tivemos um grande ano para o cinema de ação. E um dos grandes destaques foi o intenso Missão: Impossível: Acerto de Contas - Parte Um, filme que promete ser a primeira parte do último capítulo da saga de Ethan Hunt. De ritmo insano, o longa-metragem tem um fiapo de história -- o que desagradou algumas pessoas -- e acaba se ancorando no visual das cenas de ação. E são incríveis: a cena derradeira do trem é uma das mais magníficas de todo o ano.
Além disso, mesmo sendo um grande filme de ação em sua essência mais completa, o longa-metragem não se mantém fixo no gênero. Há uma interessante trama de investigação, envolvendo uma inteligência artificial (assunto quente em Hollywood em 2023), e até mesmo uma boa dose de suspense, bastante atmosférico. Por fim, vale ressaltar a surpresa do ano em atuação: Hayley Atwell, parceira de Cruise em cena, certeira na ação, drama e comédia. Crítica.
7. John Wick 4
John Wick 4, filme de ação com Keanu Reeves, chegou em um outro nível de história. É o mais exagerado e divertido da franquia. O longa mostra John (Keanu Reeves) novamente como um pária dentro do universo da Alta Cúpula, essa irmandade que comanda as diferentes famílias de assassinos espalhadas pelo mundo. O protagonista sequer pode contar com o apoio certeiro de Winston (Ian McShane), que o traiu no último filme, e precisará se virar como pode para matar pessoas, sobreviver e, quem sabe, ganhar o direito de ter uma vida comum, sem pancadaria.
É uma história que anseia em ser maior, em todos os sentidos, do que os filmes que a antecedem. Apesar disso, John Wick 4 tem mais acertos do que erros. Stahelski, com roteiro de Shay Hatten e Michael Finch, mostra que adora todo o universo construído na franquia: ele explora a cultura da Alta Cúpula e mostra como pode ser divertido falar de sociedades de assassinos com suas regras próprias assim como é divertido falar de heróis. Crítica AQUI.
6. O Cisne
E um curta-metragem também está na nossa lista de melhores do ano. É O Cisne, singelo filme de Wes Anderson para a Netflix que fala sobre um garoto que sofreu bullying durante a infância. De tom poético bastante acentuado, e puxando a teatralidade que o diretor conferiu aos curtas inspirados nas histórias de Roald Dahl, o curta consegue ser curioso, emocionante e interessante -- tudo ao mesmo tempo. Ainda tem boa atuação de Rupert Friend (Hitman).
5. Tár
Outro filme polêmico. Afinal, muitas pessoas ficaram com um pé atrás no Oscar, quando a campanha pelo longa-metragem começou a ganhar fôlego e ameaçou um tiquinho do reinado (injusto, diga-se de passagem) de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo. Mas é preciso deixar essa bobagem de lado e admitir: é um filmaço. Dirigido por Todd Field (Pecados Íntimos), que desde 2006 não comandava um filme, Tár conta a história da maestro Lydia Tár (Cate Blanchett), considerada uma das maiores de sua área. Ela domina a música como poucos. E sabe disso.
No entanto, todo esse conhecimento entra em confronto direto com suas atitudes. Ela é dona de si, defende com unhas e dentes o que pensa e, o pior de tudo, deixa seus interesses sexuais falarem mais alto. Isso, ao longo das 2h40 de projeção, acaba criando uma série de percalços e pequenos problemas. Ela se indispõe com as pessoas, principalmente aqueles mais jovens que pensam diferente dela. Entre as mulheres, fica a sensação de que não faz amigas, mas apenas pessoas que podem servir para ela de alguma forma. Essa Tár criada por Field, assim, está longe de ser perfeita. Pelo contrário: é odiável e nos faz questionar até que ponto temos alguém como ídolo. Tudo isso ainda com uma atuação de gala de Blanchett. Crítica completa AQUI.
4. Babilônia
Filme polêmico. Uns amaram, outros odiaram. Aqui no Esquina, porém, Babilônia chega com tranquilidade ao quarto lugar no ranking -- beliscando o pódio. Afinal, o longa-metragem tem personalidade, força, musicalidade e é recheado de emoção. A trama acompanha, basicamente, a história de três personagens centrais: Jack Conrad (Brad Pitt), um astro veterano do cinema mudo; Nellie LaRoy (Margot Robbie), uma estrela em ascensão; e Manny Torres (Diego Calva), um faz tudo que sonha em ser poderoso nessa Hollywood antes dos Anos Dourados.
Para contar essa história, Chazelle exagera: tudo aqui é dantesco, grandioso, longo, exagerado. Pode parecer falta de sutileza, mas é proposital. Babilônia não quer ser sutil ao tratar Hollywood dos anos 1920 e 1930. Não quer tratar do passado de forma romantizada. Pelo contrário: Chazelle faz o movimento reverso, em que desnuda Hollywood e mostra o que de mais escondido há em sua história. Drogas, sexo, orgia, mortes. É um mundo sem leis, dentro e fora dos set de filmagens, e que quebra o encanto do passado. Crítica completa AQUI.
3. Assassinos da Lua das Flores
Finalmente entramos no pódio -- e do melhor jeito possível, com Martin Scorsese. O diretor norte-americano reafirmou seu controle de narrativa e a potência de suas histórias com Assassinos da Lua das Flores, filme monumental que ajuda a dar uma nova (e necessária) visão sobre a morte de indígenas da tribo Osage, mortos pela ganância dos homens brancos.
Com atuações marcantes, principalmente de Lily Gladstone e Robert De Niro, o longa-metragem conta com um ritmo lento, espalhado por suas mais de 200 minutos de duração, mas que conta com pequenas viradas de trama que vão reorientando a história para o sentido desejado por Scorsese: mostrar que essas mortes partem de um significado ainda mais entranhado na sociedade americana. O melhor de tudo, porém, é o final, quando Scorsese confronta a si próprio e até mesmo a própria audiência sobre como as histórias são contadas e perpetuadas.
2. Oppenheimer
Na briga entre Barbie e Oppenheimer, muitas pessoas resolveram comprar um lado – como se fosse necessário ter um vencedor – e ficaram do lado do filme da boneca. Eu, se fosse para assumir um dos lados, ficaria indubitavelmente com o filme sobre o criador da bomba atômica.
Não só acho que este é o melhor filme de Christopher Nolan, que abandona muitas de suas ideias do que é cinema para contar uma história profunda sobre J. Robert Oppenheimer (Cillian Murphy), como também assume que o longa-metragem precisa ser uma reflexão sobre o que a criação da bomba atômica causou no âmago, na mente e até na saúde desse físico que entrou para a história. Há momentos inspirados aqui, com o filme fazendo com que a audiência questione até mesmo o estado em que o mundo está hoje, e também há atuações absolutamente históricas, principalmente do lado de Murphy (Peaky Blinders), que entrega um Oppenheimer atormentado pela sua criação. Você pode ler a crítica completa do filme AQUI.
1. Tia Virgínia
O melhor filme brasileiro do ano e, também, o melhor filme do ano, no geral, Tia Virgínia é um espetáculo. Primeiramente, de Vera Holtz, a atriz que faz o papel dessa tia que precisa equilibrar o mundo nas costas e, aos poucos, começa a perder um pouco de sua conexão com o mundo ao seu redor e, principalmente, com os familiares que não se importam com suas emoções. Mas, apesar do espetáculo de Holtz, é um filme que consegue ir muito, muito além.
Tia Virgínia, afinal, não é apenas um tour de force da atriz e uma análise dessa personagem tão complexa, mas sim uma análise poética e detalhada sobre a família brasileira, as particularidades de nossas relações e como condicionamos certas pessoas à um destino fatal e determinado, sem pensar muito em como isso pode machucar. Filmão. Crítica completa AQUI.
Menções honrosas
Filmes que não entraram na lista, mas merecem destaque: Crescendo Juntas, O Assassino, Living, Os Fabelmans, Incompatível com a Vida, Retratos Fantasmas, Afire.
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