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Foto do escritorMatheus Mans

Opinião: Obras precisam ser ressignificadas, não destruídas


Na manhã desta quarta-feira, 10, as pessoas acordaram em polvorosa. Nos Estados Unidos, o serviço de streaming HBO Max retirou temporariamente o clássico ...E O Vento Levou do catálogo. O motivo? Um artigo do roteirista John Ridley, vencedor do Oscar por 12 Anos de Escravidão, indicou que o filme não poderia estar ali sem contexto por seu conteúdo racista.


E ele foi certeiro. A WarnerMedia, responsável pela plataforma de streaming, escutou aos apelos e retirou o filme. Vai voltar, mas com uma discussão por trás. Dessa forma, novos espectadores poderão ir além do que é proposto pela história -- passada durante a Guerra Civil Americana -- para entender como a mentalidade da época em que o longa foi feito influenciou nessa trama.


Esse apelo de Ridley não poderia ter tido uma consequência melhor. Afinal, o HBO Max poderia ter simplesmente tirado o longa-metragem de catálogo e fim de papo. Poderia ter cortado as cenas racistas -- e que geralmente envolvem Hattie McDaniel, a primeira mulher negra premiada -- e ponto final. Mas não. Entendeu que obras são ressignificadas. Não destruídas.


Cultura como reflexão histórica


A cultura (e aí entram filmes, livros, músicas, museus, etc) é um retrato histórico. Independente de seu formato, linguagem ou história, é possível entender como as pessoas pensavam, viviam e se relacionavam em épocas distantes. Um filme, uma estátua ou um livro devem ser o ponto de partida para uma reflexão maior. Entender o que pensava naquela época e como aquilo evoluiu.


Não vou entrar no mérito sobre o impacto de ...E O Vento Levou na comunidade negra até hoje. Não sou negro, não entendo a dor dessas pessoas e não tenho como assumir uma narrativa. O que quero ressaltar aqui é como é importante movimentações, como a iniciada por Ridley e atestada pela WarnerMedia, para trazer essas histórias passadas para si e dar novo significado.

Em São Paulo, estátua do Borba Gato passa por escrutínio público
Em São Paulo, estátua do Borba Gato passa por escrutínio público

Mais do que sumir com o longa-metragem de 1939, é preciso alertar para as pessoas como aquela vida feliz dos escravos não era feliz. Sugerir outros filmes -- talvez o próprio 12 Anos de Escravidão, talvez. Dar contexto. Fazer com que a pessoa assista ao filme, ou termine de assistí-lo, com uma outra visão. Que ...E O Vento Levou seja um ingrediente em uma reflexão maior.


Sumir com uma obra dessa, do nada, é querer apagar a história e dar brecha para que futuras gerações não entendam o que vivemos. Não entendam como narrativas foram alteradas, como a história foi moldada e interpretada sobre diferentes visões. O contrário disso, usá-la como ponto de reflexão, pode ajudar a evitar que o passado se repita e exibir todas as suas nuances.


Livros, estátuas e outras coisas mais


Essa discussão, obviamente, não é nova. A Disney, por exemplo, tem trabalhado de maneira torta com seus produtos no serviço de streaming Disney+ -- cortou cenas, mudou imagens e por aí vai. No Brasil, nos últimos anos, a obra de Monteiro Lobato entrou em discussão por conta de seu teor racista. Muitos acharam que seus livros deveriam ter sido tirados das bibliotecas.


Agora, mais recentemente, movimentos antirracistas e antifascistas estão arrancando estátuas de fascistas, escravagistas e outros horrores do tipo e jogando em rios, mares e lixões. No Brasil, começou um movimento para fazer o mesmo com estátuas de figuras como Anhanguera e Borba Gato -- bandeirantes que escravizaram e mataram milhares de índios nativos do Brasil.


De novo: é preciso ressignificar. Monteiro Lobato, no caso, ganhar prefácios explicativos com vozes negras. Na escola, trazer esse debate para o centro da sala de aula. Quanto às estátuas, há um desafio maior. Afinal, não é algo que as pessoas procuram ativamente. Só de estar passando em Santo Amaro ou na Avenida Paulista já basta. Já dá de cara com esses algozes.


O ideal, aqui, seria a criação de um museu sobre bandeirantes. Pegar todas essas estátuas, colocar lá, junto com outros materiais, e criar um ambiente de discussão e reflexão. Mas como estamos no Brasil, e a cultura é algo cada vez mais soterrado por outros interesses, sei que isso não é possível. Então, que tal colocar totens explicativos aos lados dessas estátuas? Falar sobre o passado?


Obviamente, essas figuras continuam sendo opressoras. Mas um contexto, mesmo que simples e ao lado dessas estátuas, podem ajudar a virar a chavinha e a fazer com que se inicie uma reflexão. Simplesmente jogar essas estátuas no rio Tietê não serve para nada. Não ajuda a cidade, não ajuda a cultura. É apenas querer soterrar um passado que precisa ser discutido.

 
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