Responda rápido: qual o limite para o reaproveitamento de uma ideia nos cinemas? Melhor: qual a vida útil de uma história? Independente da resposta, difícil as estimativas superarem o que ocorre com o longa Não Aceitamos Devoluções. Sucesso mexicano de 2013, o filme ganhou um remake francês em 2017, com Omar Sy. O resultado europeu é bonitinho, mas nada mudou na trama. Agora, o longa mexicano bate recordes com um segundo remake. E desta vez, brasileiro.
Antes de começarmos o vídeo, é preciso adiantar: o Esquina não tem nada contra comédias e nada contra Leandro Hassum -- que vai protagonizar o longa. Não estamos aqui fazendo julgamento de qualidade ou origem. O absurdo dessa situação é pura matemática: em cinco anos, uma única história já ganhou três diferentes versões, sem alterar em quase nada na história! É uma mesma trama reciclada e regravada apenas para se tornar uma espécie de adaptação regional.
Há, sim, certa teoria por trás disso. Há quem diga que, ao regravar uma história, ela poderá atingir grandes públicos que não se interessariam pela trama original -- no caso, mexicana. Afinal, ao torná-la regional, você faz com que mais pessoas se interessem e se identifiquem. No filme com Hassum, por exemplo, ele é um mulherengo que trabalha num quiosque no Rio, enquanto o original trabalha no Caribe. É uma alteração pontual, mas que pode surtir certo efeito no público.
Porém, será que alterações tão pequenas validam a necessidade de um remake? E mais: a alteração do ambiente não pode tirar um pouco do gosto original? Guardadas as devidas proporções, pense em como seria O Poderoso Chefão passado no Brasil. Ou, ainda, como ficaria Cidade de Deus passado no próprio México. Muita coisa se perderia no caminho, ainda que o resultado final possa ser bom -- como foi visto, por exemplo, em Perfume de Mulher e Scarface.
Mas, ainda assim, cinema não é uma forma de entrarmos em contato com outras culturas? Será que é benéfico deixarmos o público confortável com o que está vendo? Imagina tudo que poderá ser perdido com isso.
A história de Não Aceitamos Devoluções também não tem particularidades que, quando alteradas, transformem a produção numa obra-prima. Assim como aconteceu com o remake francês, a versão brasileira deverá ser apenas razoável -- afinal, o filme original já não é tão grandioso quanto parece. Vai emocionar, pode até divertir. Mas não vai além disso e, ainda, não deverá exprimir outros sentimentos que as outras duas adaptações já não tenham exprimido antes.
E além de não conseguir mexer no principal ponto, remakes em excesso também causam uma outra coisa: desgaste do próprio Cinema. Pense o seguinte: é sempre bom ouvir uma história original, seja de qual meio for -- literatura, televisão, oral ou cinema. Mas ouvir pela segunda vez não é tão agradável. E ouvir pela terceira vez é pior ainda. Repetir histórias no cinema gera desgaste, desconforto, cansaço. É um sentimento que passa pelo público e que pode ser fatal.
E por último, não exagerar nos remakes faz o público ter vontade de continuar indo aos cinemas, de apreciar a arte como ela é. Duas sequências de sucesso, Velozes & Furiosos e Transformers continuam com um grande público fiel, mas já apresenta desgaste -- não é à toa que a franquia dos carros-robôs viu seu elenco mudar e, agora, ainda tem a saída de Michael Bay da direção. O público exige renovação, até mesmo quando o que se repete são os personagens.
Os dois remakes de Não Aceitamos Devoluções, então, são mais do que um ponto crítico da sétima arte. É um momento de reflexão. É o momento de pensar como as coisas estão sendo feitas hoje e entender se os remakes, reboots e sequências que dominam os lançamentos não podem estar atrapalhando a forma de consumir conteúdo cinematográfico. É preciso de mais ideias para tornar o cinema uma arte original, sem conteúdos reaproveitados e desnecessários.
Afinal, Cinema é cultura. Não importa de onde e como ela venha. O importante é ter uma boa e interessante história.
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