Logo no começo da pandemia do novo coronavírus, a sensação era de que os festivais de cinema iriam encontrar uma saída de suas dores -- e do isolamento social -- em criatividade. Nos Estados Unidos, o SXSW foi transferido para o Amazon Prime Video. Começava-se a se falar de alternativas digitais para Cannes. No Brasil, o BIFF acertou em cheio em uma edição online.
No entanto, neste momento de impasses e indefinições, o futuro dos festivais está cada vez mais borrado. Afinal, parece que há uma insistência dos eventos em manter o status quo. Cannes bateu o pé e disse que não vai ser digital -- mesmo assim, fez uma lista de selecionados. Veneza confirmou uma edição física, mesmo depois da Itália ter se tornado epicentro do coronavírus.
Enquanto isso, no Brasil, as coisas estão estranhas. O Festival de Brasília foi cancelado após "falta de recursos". A Mostra vai acontecer de um jeito ou de outro, provavelmente de maneira híbrida. Enquanto isso, Festival do Rio não soltou nem um pio -- provavelmente 2019 foi a edição derradeira -- e mostras menores tentam sobreviver e se virarem como podem, do jeito que dá.
A sensação que dá é que, globalmente, faltou uma coordenação do mercado audiovisual -- como é de praxe no setor. Além disso, há outra coisa que desanima: a constante negativa em "medalhões" do setor em abraçar de vez o digital. Oras, é absolutamente irresponsável fazer um festival em meio à uma pandemia. Mesmo com ela controlada. E querem manter Veneza?
O próprio SXSW, que iria para essa edição digital, não deu certo. A maioria das produtoras não abraçaram a ideia e ficaram com medo da pirataria. Parece que ninguém no setor, assim como no jornalismo, sabe cobrar e fazer sua voz presente no mundo digital. Ainda que a pirataria role solta em alguns cantos, ela está desacelerando. E no cinema e na TV, o streaming é a saída.
Rejeitar soluções em plataformas digitais para continuar batendo na tecla do status quo, do evento físico e de coisas do tipo é mais do que chato. É irresponsável. Um festival de cinema só é um festival com salas lotadas, vaias, aplausos. As filas imensas, quando todo mundo reclama e troca figurinhas sobre a programação. Reclama ou elogia na saída. Sem isso, não tem festival.
Insistir em manter uma edição física é quase criar um zumbi. Pode até ser que tenhamos edições híbridas -- como a Mostra quer fazer, misturando drive-in com streaming e exibições em cinemas. Mas este é o limite do limite. Eu, particularmente, não vou cobrir festival algum presencialmente. Temo e quero garantir pela minha saúde, assim como a dos outros.
O cinema pode resistir. Mas não precisa ser apenas nos meios tradicionais. É preciso encontrar uma voz ativa moderna e que una diferentes necessidades. Do jeito que tá, é só tragédia.
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