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Foto do escritorMatheus Mans

Opinião: Chegou a hora de darmos novo significado para as estátuas


O que é uma estátua? Para que serve? Para além dos fins meramente decorativos, geralmente estátuas e monumentos servem para um único propósito: deixar uma marca do passado e da memória através de gerações, de décadas, de séculos. Por meio daquela única imagem, podemos saber ou entender como uma sociedade se comportava ou quem eram seus ídolos.


Davi, a famosa escultura de Michelangelo, pode até não dizer nada em termos de ídolos ou personagens históricos -- ainda que represente o personagem bíblico. O fato, porém, é que o escultor conseguiu deixar ali uma marca estética, além da beleza inerente àquela representação. Há a importância do artista, mas também a extensão estética daquela época.


No Brasil, as estátuas entraram em pauta na última semana com o protesto contra a famosa figura de Borba Gato, no bairro de Santo Amaro, em São Paulo. Foi incendiada. O motivo é simples: o bandeirante retratado na estátua, formada por um mosaico de ladrilhos e com uma expressão curiosa, é incontestavelmente uma figura criminosa e racista, de memória dolorosa.


Afinal, assim como outros bandeirantes, Borba Gato promoveu a escravidão de povos nativos e de negros trazidos da África. Aplicava violência em seus atos. Era misógino. Muitos aplicam um adjetivo mais direto: genocida. Matou muitos, escravizou milhares de outros. A única conquista, se é que assim pode ser chamada, foi a exploração das terras, principalmente na região paulista.


Mas isso, obviamente, não justifica a existência de uma figura como a de Borba Gato em praça pública. Estátuas como a dele, incrustadas na rotina agitada das cidades, serve mais como glorificação do que como memória. Vemos Borba Gato como um bravo explorado e esquecemos do mal que causou em povos que aqui estavam muito antes das chegadas dos europeus.


Oras, você, caro leitor, pode não se impactar com a presença dessa figura em praça pública. Mas faça um exercício de imaginação: há décadas, um homem matou seu bisavô. Em praça pública. Não só ele, como os ancestrais de outras milhares de pessoas. Hoje, décadas depois, ele passa a ter uma estátua na rua da sua casa, já que era um bom administrador. Você aceitaria isso?


Borba Gato é um fantasma na vida de milhares. Acabou com famílias, criou máculas. Não dá pra deixar isso de lado e manter a imagem da figura em Santo Amaro. Isso sem falar de outros monumentos Brasil à fora, como Fernão Dias em Pouso Alegre, Francisco Dias Velho em Santa Catarina e, ainda na cidade de São Paulo, tem o Monumento às Bandeiras e Anhanguera.


Não vejo como saída o vandalismo e a depredação dessas estátuas. O que é preciso, e isso é urgente, é a ressignificação desses monumentos. Em caso de obras que podem ser transportadas sem mais problemas, como Anhanguera, Borba Gato e Fernão Dias, devem ser transferidas para museus de suas respectivas cidades, em que o ambiente favorece a reflexão.


Afinal, quando alguém vai em um museu, vai em busca de memória, cultura e informação. Quando chega lá, não passa por figuras como essas citadas sem entender melhor quem são. A do Borba Gato, por exemplo, poderia ser posicionada em alguma sala nova do Museu do Ipiranga, explicando melhor o contexto daquelas figuras e deixando clara a nocividade histórica.


Já o Monumento às Bandeiras, praticamente impossível de ser transportado, precisa de complementos educacionais ao seu redor. Ao invés de ter apenas a estátua ali, é preciso ter informação disponível para quem passa, inclusive do outro lado da rua, perto do Ibirapuera, do que é aquilo, quem foram os bandeiras, o que representaram e os danos que causaram.


Por fim, em todo o Brasil, devem surgir movimentos de estátuas novas, com figuras que representem a pluralidade do brasileiro. Oras, mais do que bandeirantes, é preciso de obras que tragam de volta a lembrança dos povos que habitavam São Paulo antes da chegada dos portugueses. Já chega do apagamento da memória indígena. Precisam ser celebrados nas vias.


Também devemos celebrar mais nossas culturas locais -- como acontece com o maravilhoso Drummond no Rio de Janeiro. Falta uma estátua em homenagem à Adoniran Barbosa, por exemplo. Hoje, há só um busto. E que tal substituir Anhanguera por André Rebouças, primeiro negro formado pela Escola Militar e que, hoje, é apenas o nome passageiro de uma avenida?


Chega de impormos a glorificação de nomes que não devem ser glorificados. Lugar disso é no museu, onde há uma real troca de informações. Nas ruas, as estátuas devem ser de pessoas que realmente contribuíram para o crescimento do Brasil, sem prejuízos para esse ou para aquele povo. Essas pessoas que construíram o Brasil de verdade e que merecem a memória.

 

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