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Foto do escritorMatheus Mans

Opinião: ABL volta a mostrar fragilidade com seus propósitos


O significado da sigla ABL é claro e de domínio popular: Academia Brasileira de Letras. Quem a integra é chamado de imortal. Quem participa de seus encontros usa uma farda, repleta de firulas e histórias, que chega a custar R$ 40 mil. E, em tese, quem a integra, tem um vasto currículo literário a apresentar aos seus pares, à academia e à sociedade. Mas é só em tese: nos últimos anos, a Academia tem se mostrado cada vez mais como um clube de amigos do que, de fato, como uma associação literária, histórica e popular.

Essa última constatação, aliás, nem é minha. É de Domício Proença Filho, ex-presidente da casa e único negro do grupo. Em entrevista ao site The Intercept, ele disse que “é um equívoco achar que a Academia tem que fazer isso ou aquilo. A ABL é uma instituição privada sem fins lucrativos. É um clube de amigos". Ou seja, em outras palavras: é um clube privado de marmanjos -- em sua maioria -- que se encontram para jogar conversa fora.

Uma prova desse caráter pouco literário está na eleição desta quinta-feira, 30, para a cadeira 7 deixada por Nelson Pereira dos Santos. No pleito, Cacá Diegues, cineasta por trás dos livros Vida de Cinema e O que é ser diretor de cinema; Pedro Corrêa do Lago, neto de Oswaldo Aranha, e autor de diversas coletâneas de artistas brasileiros; e, claro, Conceição Evaristo, autora de livros como Olhos d'Água e o ótimo Becos da Memória.

E assim, ao contrário do que diz a razão, a cadeira acabou caindo no colo de Cacá. Nada contra o cineasta; pelo contrário! Xica da Silva e Bye, Bye Brasil são produções dignas de aplausos e colocam o diretor num pedestal altíssimo do cinema brasileiro. Mas, veja só, do cinema. E, como ressaltado lá no começo do texto, a ABL é uma academia de letras, de literatura, de escritos. Coisa que Cacá, infelizmente, tem pouquíssimo em seu currículo.

Aí entra os métodos escusos e pouco conhecidos de se eleger alguém para integrar um time que já contou com Machado de Assis, Carlos Heitor Cony e Artur Azevedo. Atualmente, como a já citada matéria do The Intercept deixa muito claro, é quase uma campanha política para entrar ali dentro. Se faz amizades, parcerias, apadrinhamentos. Se não encontrar pessoas que se agradem com você ali dentro, nada feito. Como dito por Proença Filho, eles querem amigos, não literários que façam a diferença por ali.

Não é à toa, afinal, que hoje a Academia conta com ilustres desconhecidos em seu quadro -- como o advogado Joaquim Falcão, o jurista Alberto Venancio Filho e o economista Edmar Bacha -- ou, ainda, de figuras que se valem de seu poder político e social, como José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, o jornalista Merval Pereira e, antes de sua morte, o cirurgião plástico Ivo Pitanguy. Como essas figuras fazem parte da Academia e Evaristo Conceição, além de tantos outros grandes autores, não são reconhecidos?

Há de se entender um dos argumentos de Domício Proença Filho de que é uma organização privada. Mas é de interesse nacional! A partir dela, poderia se discutir temas de importância social, linguística e literária. Coisa que não é feita há anos. Não há publicações partindo da ABL, não há posicionamentos contundentes, não há grandes debates que são trazidos a público. Então, pergunto: será que era esse o objetivo de Machado de Assis?

Será que o autor de Memórias Póstumas, um negro embranquecido pelo racismo que emana do meio literário, aprovaria a atual configuração da ABL? Políticos, médicos e juristas que não escreveram nada de interessante, nada de valor, nada que traga algo ao Brasil. Apenas um negro em quarenta cadeiras. E apenas cinco mulheres. A ABL, no final, é quase uma maçonaria, onde amigos homens se encontram para seguir alguns rituais e, depois, bater um papo, trocar indicações e fazer contatos entre si. É isso?

A meu ver, a Academia Brasileira de Letras perdeu, com Evaristo Conceição, uma grande chance de se aproximar novamente do público e, principalmente, de se tornar relevante. Tenta-se reformular e revitalizar a imagem da ABL frente às pessoas, mas estão falhando terrivelmente. É patético ver o estágio que chegou uma organização que tanto poderia prover para a cultura brasileira e que, no final, é só um bate-papo entre compadres.

Que Cacá Diegues faça bom proveito da cadeira de Castro Alves. A ABL não era digna de Conceição Evaristo.

 

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