Confesso que cheguei ao shopping Cidade São Paulo, na última semana, com uma ansiedade diferente. A cabine de imprensa daquele dia, nome dado para as exibições especiais para a imprensa, não era de nenhum dos filmes mais esperados do ano -- Batman, Doutor Estranho, nada disso. Era de um filme que chegou aos cinemas há mais de 50 anos: O Poderoso Chefão.
Clássico absoluto de Francis Ford Coppola, o longa-metragem está ganhando uma nova exibição nos cinemas brasileiros justamente para comemorar essa data redonda de cinco décadas. Como presente para os espectadores, O Poderoso Chefão ganhou uma visão remasterizada, com uma imagem mais nítida, mais clara, mais definida. Nem parece que já estamos em bodas de ouro.
E a experiência foi sublime dentro da sala escura. Afinal, O Poderoso Chefão é daqueles poucos casos de filmes que se misturam com o próprio cinema. Talvez fique ao lado apenas de quê? 2001: Uma Odisseia no Espaço, Pulp Fiction, Cantando na Chuva? O fato é que o longa-metragem de Francis Ford Coppola se confunde com a sétima arte, de tão bem realizado e estruturado.
Logo de cara, achamos que a história é sobre Don Vito Corleone, esse chefão da máfia interpretado magistralmente por Marlon Brando. A câmera começa nele e sua história parece ser o fio narrativo de toda a trama de três horas. No entanto, aos poucos, o roteiro inteligente de Coppola e Mario Puzo (o autor do livro) mostra que o personagem de Brando é apenas a base.
O Poderoso Chefão é o começo, que viria a ser desdobrado nos dois filmes seguintes, de uma trilogia sobre a trajetória do jovem Michael (Al Pacino) na máfia. Começa como um outsider, alguém que não quer se envolver, e chega ao ponto de matar dois homens para vingar seu pai. É um desenvolvimento impecável de personagem, com Vito Corleone ativando as transformações.
Na sala de cinema, tudo isso fica evidenciado. O Poderoso Chefão não é um "filme de roteiro", tampouco é manco de qualquer outra qualidade. A música de Nino Rota, por exemplo, embala os momentos-chave da narrativa -- incluindo o clássico tema imortalizado na História. Atuações sob medida, ambientação impecável. Até os chutes de James Caan fazem parte desse charme.
Cinema de máfia
É interessante notar, também, como o cinema de máfia foi praticamente refundado a partir de O Poderoso Chefão. Afinal, com exceção de filmes como Scarface (1932), Sublime Devoção (1948), Sindicato de Ladrões (1954) e Operação França (1971), pouca coisa tinha sido aproveitada a partir do universo da máfia. Coppola foi lá e fez: mostrou que havia interesse nessas histórias.
Depois de O Poderoso Chefão, além da trilogia de Coppola, surgiu uma era de ouro absoluta dessas histórias. Vieram filmes como Era Uma Vez na América, Os Intocáveis, Os Bons Companheiros e, é claro, o remake de Scarface. Estética, estilo e narrativa do longa-metragem de Coppola se tornaram a referência, o objetivo. Todos queriam ser Corleone, ser Coppola.
Hoje, infelizmente, o cinema de máfia decaiu. Pouca coisa é feita e, do que é feito, ainda menos se salva -- dos últimos anos, talvez só O Irlandês se salve. No entanto, O Poderoso Chefão ainda é referenciado à exaustão: da animação O Poderoso Chefinho até o projeto de uma série sobre os bastidores do longa. O Poderoso Chefão virou o cinema e, com isso, nunca mais vai morrer.
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