“As pessoas se assustam quando não entendem”, diz John Merrick, o personagem que recebe o nome de Homem Elefante no filme homônimo de David Lynch. Além de ser uma das principais obras-primas do diretor, o filme ainda nos proporciona infinitas questões sobre a importância da aparência e dos rótulos.
A história se passa em Londres, no final do século XIX, época que os circos eram famosos por apresentarem aberrações, como mulheres barbadas e até gêmeas siamesas. John Merrick é um homem que nasceu com deformidades por todo o corpo e, por conta disso, acaba se tornando uma das principais atrações do show de horrores da cidade. Tratado como animal, ou até pior, ele é constantemente escondido por panos e cortinas.
Talvez pela falta de informação, ou pelo apelo da história, Bytes, o homem que se diz dono do Homem Elefante, conta que toda aquela deformidade foi fruto de um ataque de elefante sofrido por sua mãe durante o quarto mês de gravidez. Com o intuito de lucrar em cima da situação, ele negocia com Fred Treves, cirurgião local, e empresta John por um dia.
Treves, então, tem o interesse de examiná-lo. O que provocaria tais deformações? Como seu esqueleto se diferira de outras pessoas? Após uma breve conversa, o médico apresenta o Homem Elefante na Sociedade de Patologias e, quando Merrick é mostrado para a plateia, todos fazem uma cara de espanto. Porém, a aberração ainda não foi apresentada a nós, espectadores. Temos que nos contentar apenas com uma silhueta, e o resto é imaginação.
Após os exames, o médico detecta que Merrick está doente e precisa ser tratado no hospital. As brigas começam nesse ponto. Enquanto Treves se preocupa com sua saúde, Bytes está furioso porque o Homem Elefante é seu ganha pão. É a primeira vez no filme que Merrick deixa de ser considerado apenas um objeto de mera curiosidade, e fonte de lucro, e passa a ser tratado como alguém comum.
Ao longo do filme é difícil não se sensibilizar pela pessoa que é John Merrick. Ele se mostra um homem bom, culto e extremamente grato. Ele enfim é tratado de forma decente. Porém, esse processo não é imediato. As atitudes da voluntária do hospital demonstram toda essa transformação: como a aparência pode ser, e é, significativa no começo e depois passa a ser quase que irrelevante. Ele toca o coração de todos, especialmente do médico.
Durante esse processo, Merrick se emociona com uma situação em particular. A esposa de seu médico lhe cumprimenta e ele logo começa a chorar; explica que nunca tinha sido tratado bem por uma pessoa tão bonita. Isso revela o quanto a aparência era importante não somente para a sociedade, mas também para ele. Durante sua vida, ele era privado de espelhos. Foi lhe ensinado que suas deformidades deveriam ser escondidas.
A trilha sonora do filme tem um toque sutil e incrível que combina música com significado. Quando Merrick está no hospital e é tratado como uma aberração, servindo como fonte de lucro para um aproveitador, uma música de circo é tocada ao fundo. Percebe-se como é oposta ao sofrimento do jovem.
Há quem diga que o herói do filme é o próprio homem elefante, por todo o sofrimento que passou e pela bondade que ainda guardava no coração. Porém, acredito que o filme possua dois heróis, que são complementares, de certa forma. Foi preciso do jeito gentil e paciente do médico Treves para que pudéssemos conhecer o verdadeiro John Merrick. A relação dos dois fica clara na frase emocionante de John: “Minha vida é plena porque sei que sou amado. Eu descobri. Sem o senhor não poderia dizer isso.”.
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