A premissa do filme O Grande Lebowski é divertidíssima: Jeff Lebowski -- ou The Dude, como prefere ser chamado -- é uma daquelas pessoas tranquilas e que não quer arrumar confusão. No entanto, ele é confundido com um milionário excêntrico e que está endividado com um grupo de bandidos estranhos e perigosos. Nesta confusão, o tapete da sala de estar do The Dude é danificado e, a partir daí, ele entra em contato com o “outro Lebowski” para cobrar o preço pelo objeto.
Assim, partindo desta premissa, os talentosos irmãos Coen criam uma história de erros típica de seus filmes, como visto brilhantemente em Fargo dois anos antes. No entanto, na história do The Dude temos mais do que uma aparente comédia que causa risadas fortes e sinceras na audiência. Por trás de toda tragédia na vida da personagem principal, é possível encontrar uma crítica real ao status quo do homem americano moderno, cristalizado em toda cultura ocidental.
Segundo mitos sobre homem na sociedade, ele é o provedor da família. É o equilibrado, que será referência em uma luta brava e incessante pela moralidade, bons costumes e por trazer sustento ao lar. “O arquétipo de homem está associado à cultura e à tradição. Tem uma característica de ser penetrante, criativo, transformativo. Fundamental na estruturação do ego. O pai molda a consciência coletiva”, afirma o analista junguiano Walter Boechat, em seu livro A Mitopoese da Psique, mito e individuação.
Assim, cientes destes estereótipos e mitos, os diretores e roteirista de O Grande Lebowski, os irmãos Coen, tratam de desconstruí-los um por um, a partir de várias personagens dentro da história. O primeiro, e mais imediato, é o Jeff Lebowski, interpretado de maneira brilhante por Jeff Bridges. Em seus olhares e fala, é possível notar que ele não tem ambições na vida além de jogar boliche e fumar seu baseado. Não quer grandes emoções, não quer viver no limite, não quer nem ao menos ter uma família.
O ápice, porém, é quando começa a confusão envolvendo o tapete -- e que logo sai de seu controle, por conta da intromissão de seu amigo Walter Sobchak (John Goodman, no melhor papel de sua carreira). Ele assiste ao desenrolar de acontecimentos de forma passiva, sem querer se intrometer e piorar a situação -- de onde surge o humor. Assim, sem atitude, ele quebra o mito do homem que vai atrás de seu sustento, que é visceral e que faz de tudo para o bem-estar social.
Do outro lado da balança, enquanto isso, está a complexa e interessante personagem de John Goodman, o judeu e durão Walter Sobchak. Ele é a junção do estereótipo de tudo que falamos alguns parágrafos acima: ele lutou com os EUA na Guerra do Vietnã, é religioso, briga pelos seus ideais, não teme o perigo para proteger quem ama e arranca a orelha de quem o ameaça. É ele que sugere para o The Dude cobrar o tapete danificado do Lebowski original e que inicia quase todas as confusões.
No entanto, a visão sobre Walter Sobchak é exagerada, cômica. Apesar de seguir todos os arquétipos e mitos envolvendo o homem americano moderno, ele é a personagem que está sempre em busca de vingança, de justiça. Não poupa ninguém e não para de falar sobre a tal Guerra do Vietnã em momento algum. Afinal, ele, por meio do olhar dos irmãos Coen, é a mostra do que seria uma pessoa com todos os tipos de estereótipos levados ao extremo de suas possibilidades.
Por último, para compensar totalmente a personalidade de Sobchak, está a personagem do ator Steve Buscemi, o sofrido Donny. Ele passa o filme inteiro quase sem falas, sem mostrar a sua opinião. Ele é o homem que gosta de se divertir jogando boliche e saindo com os amigos, mas que não tem força opinativa e, muito menos, força física -- numa das cenas finais, isso é comprovado de maneira trágica. Ela é a antítese de Walter para mostrar como homens sem voz ativa não tem vez na sociedade.
Sendo assim, os Coen constroem um quadro muito amplo, sarcástico e bem-humorado em cima dos estereótipos do homem moderno. Além do The Dude, que é o contrário de tudo que a sociedade patriarcal imagina para o ideal de um homem, ainda há a provocação sobre esses dois extremos: o homem bruto, violento e vingativo que é levado a sério e que tem influência em toda a trama, no extremo de sua ideologia; e o homem quieto, fraco e passivo que sofre de um excesso de esquecimento na trama.
E é com esta visão inteligente sobre a sociedade que o filme O Grande Lebowski se torna um dos mais importante da filmografia dos Coen e se consolida como um dos melhores de toda a história do cinema. É inteligente, divertido e tem atuações de destaque de grandes e premiados atores. E afinal, nada mais genial do que desconstruir o mito envolvendo a figura masculina moderna baseado em uma simples briga por um colorido tapete da sala de estar que foi danificado.
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