Em 1979, Luiz Gonzaga lançava a música A Vida de Viajante, cantando ao lado do seu filho, Gonzaguinha. Nos primeiros versos da canção, o narrador diz que: “Minha Vida é andar por esse país/ Pra ver se um dia descanso feliz/ Guardando as recordações/ Das terras por onde passei/ Andando pelos sertões/ E dos amigos que lá deixei”.
Essas viagens e recordações permeiam o novo trabalho da cantora e compositora Mariana Aydar em Veia Nordestina, um projeto hibrido, um álbum e um documentário, que estão sendo lançados aos poucos, em EPs e episódios. Em abril, Mariana lançou o primeiro EP e, agora, soltou nas plataformas digitais o segundo. Será um disco dedicado ao ritmo que ela se lançou como cantora, o forró, em 2005, com suas raízes devidamente arraigadas nos cantores e compositores nordestinos, como Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira, Jackson do Pandeiro, Elba Ramalho, Dominguinhos, entre tantos outros, e a riqueza musical da Música Popular Contemporânea.
O ritmo majoritariamente nordestino, o forró, entrou na vida de Mariana Aydar muito antes dela saber que iria seguir a carreira de cantora. Ainda menina, ela conheceu através da sua mãe, Bia Aydar, produtora e empresária de artistas da MPB. Entre 1986 a 1988, Bia estava trabalhando com Luiz Gonzaga, e foi nessa ocasião, que a filha, Mariana, teve contato com aquela figura exótica, nas palavras daquela criança.
As vestimentas típicas e a inseparável sanfona de Luiz Gonzaga causavam fascínio em Mariana, que ganhou do artista um disco autografado, que ela infelizmente perdeu, e uma boneca enorme, maior do que Mariana, que ela guarda até hoje. O contato com o grande Gonzagão abriu um universo musical, o forró, o xaxado e o baião, para ela em definitivo e moldou suas escolhas artistas.
“Essa relação surgiu ali mesmo, na minha infância, ao ter contato com Luiz Gonzaga. Gostava muito dele, da pessoa dele, que enxergava como uma pessoa exótica, com aquele figurino todo, ele me fascinava. Queria saber o que ele fazia, o que cantava, o que representava, etc. Passei a pesquisa tudo sobre ele, seu universo, sua música. Me deparei com o mundo do forró, e tive a sorte de entrar pela porta da frente”, fala a cantora por telefone ao Esquina.
Ela também lembra do inicio de sua carreira, do renascimento do forró em São Paulo, com as bandas Falamansa e Forró Sacana, cunhado de “Forró Universitário”, em 1995 e 1996, de sua relação com o corpo e com o sucesso. Além de comentar sobre o novo trabalho Veia Nordestina, e do seu bloco Forrozin, que vai se apresentar neste domingo, 9, na ABolha Rooftop, no Centrão de São Paulo, a partir das 16h, com várias participações. Dentre elas, Maria Gadú, Marcelo Jeneci e Chico César, num arraial arretado, que certamente irá colocar todo mundo para dançar ao som de um autentico forró pé de serra com elementos da riqueza da música nordestina.
Esquina da Cultura: Em 2019, você completa 15 anos de carreira. Ainda que seu começo aconteça em 2000, com participações em shows como banking vocal. Mas para você, seu marco zero, foi em 2005, quando volta ao Brasil e produz seu primeiro álbum 'Kavita 1', lançado em 2006, certo?
Mariana Aydar: Lógico que todas essas experiências foram muito importantes para testar o que queria fazer, para saber como funciona a mecânica disso tudo, essas coisas, o mundo mais profissional do meio musical. A minha experiência na música era mais lúdica por conta dos meus pais [o pai, Mario Manga, era do grupo paulistano Premê, e a mãe, Bia Aydar, era produtora e empresária de cantores]. Mas queria saber como funcionava isso tudo de forma mais profissional. Na verdade, essa maneira lúdica, de enxergar a música, tenho até hoje. Mas a partir do meu primeiro disco [Kavita 1] que coloquei a minha cara, minha assinatura. Não estava mais atrás de outros profissionais, como banking vocal e uma banda.
Esquina: Quando você decide de fato que queria ser cantora? O que aconteceu para você tomar essa decisão, qual foi o estalo?
Mariana: A música sempre permeou minha vida por conta dos meus pais. Meu primeiro instrumento foi o violoncelo, que me ensinou muito a cantar. Vejo que o jeito que canto tem muita relação com esse instrumento, que esteve muito tempo na minha vida, no meio peito, literalmente. Estudei o violoncelo por sete anos. Fui integrante de orquestras juvenis. Depois estudei violão. Foi aí que percebi que tudo era uma desculpa para eu cantar. Mas esse estalo aconteceu em um show do Lenine, tinha 16 anos. Ali disse para mim que era isso que queria fazer da vida. Naquele show de Lenine, que admiro muito como arista, sou muito fã, em 1996, tomei a estrada da música para nunca mais voltar.
Esquina: De que forma ter pais ligados a música ajudou e ao mesmo tempo dificultou sua decisão?
Mariana: Na verdade eu nunca tive essa crise. Ela veio um pouco, depois que comecei minha carreira profissional, quando alguém poderia me comparar com eles, ou achar que eu estava ali por conta dos meus pais, no sentido de tomar aquilo mais fácil. Mas nunca foi uma crise minha, pois sempre tive muito certeza que queria fazer música. Minha visão sobre meus pais, é que tive muito sorte de tê-los me apoiando, me mostrando aquele universo infinito e deslumbrante da música. Como meus pais não tinham muito infraestrutura para colocar uma babá cuidando de mim, eles me levaram nos shows. Esse contato logo cedo com o ambiente da música foi determinante para entrar na música. Meus pais foram pessoas maravilhosas.
Esquina: Você tem uma relação umbilical com o forró, que, segundo você, lhe deu tudo. Carreira, marido, filha, prazer de dançar, etc. Como se deu esse contato com o forró. Foi por conta da sua mãe, uma das empresárias de Luiz Gonzaga, ou teve outros elementos aí por detrás?
Mariana: Essa relação surgiu ali mesmo, na minha infância, ao ter contato com Luiz Gonzaga. Gostava muito dele, da pessoa dele, que enxergava como uma pessoa exótica, com aquele figurino todo, ele me fascinava. Queria saber o que ele fazia, o que cantava, o que representava, etc. Passei a pesquisa tudo sobre ele, seu universo, sua música. Me deparei com o mundo do forró, e tive a sorte de entrar pela porta da frente. Em 1995, 1996, o forró chegou novamente em São Paulo, o chamado “Forró Universitário”. Época que comecei a ir para balada. Tinha 15 anos, e minha balada passou a ser dançar forró com meus amigos. Aí, ficou tudo em casa, já amava forró por conta de Luiz Gonzaga e todo o seu universo musical. Antes do forró, eu e minha turma íamos para baladinhas com música eletrônica, internacional, dance music, essas coisas todas, que eu odiava. Esperava chegar próximo do final da festa para começar a tocar um Tim Maia, e coisas brasileiras. Mas aí, passamos a frequentar baladas ao som do forró. Aquilo foi um universo que novamente se abriu para mim e nunca mais fechou. Meus amigos, aceitando aquela cultura, que não era comum, isso tudo me maravilhava. Por conta dos meus pais, essa cultura musical brasileira sempre permeou minha vida, sou musicalmente brasileira. Meu casamento com o forró se deu nessa época. Tenho muitos amigos até hoje fruto daqueles baladinhas. Vou dançar forró toda semana, amo dançar forró, que pra mim é a coisa mais importante. Se chegassem e falassem que tinha que decidir entre dançar ou cantar forró, eu ficaria com a dançar forró, amo, inexplicavelmente é muito forte para mim. Nessas baladas, os amigos e conhecidos falavam que eu também cantava aquele estilo. Aí passei a dar canja nos shows, e montei minha própria banda de forró [banda Caruá]. E comecei a investigar de forma mais profissional aquele universo de cantores e cantoras, de estilos diversos, do mundo forró. Colei nos DJs, que me mostravam o lado B de artistas como: Dominguinhos, Luiz Gonzaga, Elba Ramalho, Marinez, Alceu Valença, Jackson do Pandeiro, entre outros. Minha banda era super lado B desses artistas todos, não cantávamos os clássicos, só lado B.
Esquina: Mas vocês não cantavam ainda o repertório da banda nessas apresentações?
Mariana: Não, apesar de já termos algumas coisas nossas, a gente só cantava o lado B dos artistas consagrados do forró. Nessa época, conheci meu marido [o músico e produtor Duani], que reencontrei quando voltei de Paris em 2005. Fiquei fã do Forró Sacana, que foi uma banda muito importante para esse movimento do “Forró Universitário” junto com Falamansa.
Esquina: Qual foi a maior lembrança que você guardou do contato que teve na infância com Luiz Gonzaga?
Mariana: Eu guardei uma boneca que ele me deu de presente, tenho até hoje. Ele também me autografou um disco, que infelizmente perdi, que tinha uma música chamada Mariana, que ele fez para neta dele, mas achava que tinha feito para mim. E o mais legal foi que ele deixou que eu acreditasse que era para mim. Lembro que ele escreveu no disco: “Para Mariana...”. Fico triste quando lembro que perdi esse disco. Mas pelo menos tenho a boneca, que é enorme, até hoje (risos). Uma boneca loira, que era maior do que eu. Lembro que ele me levou para um shopping. Ele chegou para mim: “Vou te dar um presente”, e foi procurar. Minha mãe, que me acompanhou, me disse: “Aceita o que ele vai lhe dar”. Eu queria uma Chuquinha, que era uma boneca bem pequenininha, que colecionava. Mas minha mãe não deixou eu fazer esse pedido para ele.
Esquina: Em que época, sua mãe foi empresária dele?
Mariana: No final da carreira dele, entre 1986 a 1988.
Esquina: Fale um pouco desse seu novo trabalho 'Veia Nordestina', que vem sendo lançando aos pouquinhos. Você soltou o primeiro EP em abril, nas plataformas digitais. Em 7 de maio lançou o segundo EP, com mais três músicas, e as próximas serão em julho e outubro. São músicas que fazem, também, uma leitura bem ousada e contemporânea do forró. Inclusive na música 'Se Pendura', que tem batida funk e eletrônica, fala de empoderamento, de feminismo, aceitação e liberdade para escolher se quer ficar ou não...
Mariana: Estamos numa época em que falar nisso é necessário. Foram muitos anos de machismo fruto de uma sociedade patriarcal, que faz com que o discurso seja mais inflamado. Acho que a mulher precisa se impor, falar o que quiser, cantar ou vestir o que bem entenda. Ficar de bunda de fora mesmo, e é isso, sem pudor, sem ter que pensar que não pode, que vai chocar. A música Se Pendura fala sobre isso de maneira elegante. A letra fala de uma mulher empoderada, que tem o direito de querer ou não um homem para vida inteira. Acabou a visão de mulher santinha que tem que arrumar um marido, que não pode isso, que não pode aquilo. É uma mulher dizendo o que ela quer, e pronto.
Esquina: De quem é essa música? Têm outras parcerias, fale um pouco...
Mariana: De Duani, meu ex-marido. Têm músicas de Isabela Moraes [Represa, São João do Carneirinho], Veia Nordestina, parceria minha e dela, que abre esses trabalhos. Tem Xilique, que fiz com Jorge de Altinho. Uma música somente minha, Forró do ET [participação de Elba Ramalho], entre outras. A música Veia Nordestina fala da minha vontade de trabalhar com esse gênero nordestino, que é o forró, de forma mais ousada, menos tradição, mais elementos contemporâneos. O nordeste é muito vasto, uma cultura brasileira riquíssima. É música nordestina e para além do nordeste, é música brasileira contemporânea. São músicas com sotaques e elementos, desta vasta música nordestina, brasileira, com suas veias de diversas culturas e povos. O primeiro EP, que lancei em abril, passa por essa coisa da Bahia, dos meus carnavais lá, nos trios elétricos, etc. Forró do ET, por exemplo, nasceu por conta de uma experiência que passei lá num carnaval, em Caraíva. Vi com Duani uma luz no céu, e Elba, que estava em Trancoso, viu a mesma luz. Elba fez um show em Trancoso, que eu vi junto com Duani. E nesse show, ela acabou falando que da última vez que esteve lá, tinha visto um disco voador há exatos 20 anos. Lembro que falei: “Que doido, ela acabar um show falando sobre isso”. Quando voltei para Caraíva, fui andar com Duani na vila local, estávamos casados na época, daí vimos várias luzes no céu se mexendo de forma estranha, não era uma estrela ou algo semelhante. Resolvemos ligar para Elba, que já estava no hotel, que era a única pessoa que ia entender a gente [Elba Ramalho passou a ter visões de discos voadores e Nossa Senhora, em determinado momento da carreira, e ao comentar essas experiências na imprensa, foi ridicularizada, passando a não mais comentar sobre o assunto]. Duani já tinha visto disco voador, havia comentado comigo a respeito. Elba Ramalho perguntou onde estavam as luzes, falei: “Perto da lua”. Ela também viu aquelas luzes.
Esquina: Você passou a acreditar em discos voadores? Você é mística? Qual sua religião?
Mariana: Sim, acredito que aquelas luzes eram extraterrestres. Sou bem espiritualizada, não sua religiosa. Minha conexão com a música é totalmente espiritual. É uma conexão com tudo isso a nossa volta. Não duvido de nada (risos). Dos seres extraterrestres, eu até duvidava, até casar com Duani, que já tinha tido várias experiências. Não ia duvidar do que ele falava. E depois dessa experiência, passei a acreditar mesmo, confirmou totalmente o que ele falava.
Esquina: Você chamou Elba Ramalho para cantar Forró do ET por conta disso?
Mariana: Não necessariamente. Não podia fazer um disco desses sem Elba. Ela é uma pessoa muito importante nessa minha trajetória ligada ao forró. Elba me deu muita força para seguir esse caminho. Conheço a Elba de Trancoso, ela tem casa lá, assim como minha família. Nessa época, Elba me chamou para cantar com ela nos shows que fazia na região, uma atitude muito generosa. A gente sempre cantou forró nesses shows, e ela dizia que eu cantava legal o estilo, tinha que ir mais nessa direção. Não poderia deixá-la de fora de um trabalho com músicas nordestinas e de forró.
Esquina: Vendo algumas postagens suas, e de como você se apresenta no palco artisticamente, você tem uma relação muito naturalizada com seu corpo. Lembra cantoras dos anos 1970, como Maria Bethânia, Gal Costa e Baby Consuelo, que usavam o corpo de forma livre, natural, politizada, sem cair na vulgaridade...
Mariana: Eu sempre tive uma relação tranquila com meu corpo, não tinha muito vergonha. Não mostro o corpo por que quero mostrá-lo, simplesmente é natural. Era até um pouco mais pudica antes, quando era mais jovem. Estou envelhecendo, e estou rejuvenescendo, não sei o que acontece comigo (risos). Cada vez que envelheço, me sinto mais jovem, é muito doido isso. Quando me olho em casa, vejo que tenho mais ruga, mais flacidez, minha pele é diferente, mas cada vez me sinto mais jovem. Nunca foi uma arma usar o corpo ou pensá-lo como algo. As pessoas precisam ter uma relação de aceitação com o seu corpo, aceitá-lo do jeito que ele é.
Esquina: Que sertão é esse que você carrega?
Mariana: O meu sertão de dentro, é um sertão, uma metáfora, das secas internas, das nossas inseguranças, das nossas dores de amor, medos, imperfeições, que independe da região, do lugar, a relação é com o íntimo. O interior é intrínseco ao ser humano, é nossa fragilidade humana. O forró tem um jeito muito particular e poético de falar dessas secas que carregamos, que guardamos no nosso íntimo. Por isso, nesse trabalho, quis falar do forró como sentimento de tudo isso. Quis fazer do limão uma limonada, digamos assim. Queria tratar desses temas, desses assuntos, de um jeito mais leve, engraçado, otimista, vendo uma luz no final do túnel. Por exemplo, na música Xilique, que fiz com Jorge de Altinho, falo dessa mulher que fica super magoada com o namorada, mas encara tudo aquilo com otimismo, sabe, não fica se lamentando, parte para outra. Os próximos EPs virão de forma mais áspera, menos otimista, mais politizado, principalmente o terceiro, que lanço em julho. São temas mais políticos e feministas, falados de forma mais direta e dura. São “secas” mais externas, do que está acontecendo hoje no Brasil, no mundo, dos extremos. Vou falar um pouco mais sobre essa estado de coisas.
Esquina: Apesar de você classificar esse seu novo trabalho como seu disco mais solar, ele irá trazer esse lado mais penumbra do que estamos vivendo na política. De que maneira bate esse pessimismo?
Mariana: Vai, não tem como não falar. Acredito que não temos mais como se afundar, descer mais no poço, espero (risos). No final do poço tem uma mola, como dizem. Acredito que com o nosso otimismo, nossa arte, sendo a gente mesmo, podemos enfrentar melhor tudo isso, mudar alguma coisa, ter resistência diante de tanta coisa ruim.
Esquina: No ano que se comemora o centenário de nascimento de Jackson do Pandeiro, você pensou em trazê-lo de alguma forma nesse trabalho dedicado ao forró?
Mariana: Apesar de não ter nenhuma música dele, vejo que tem muita coisa dele nessa música Xilique. Falei com Jorge que queria trazer um pouco do Jackson nessa canção, daquele forró sambado dele, do seu quebra língua, da sua molecagem. Fomos para esse estilo dele. Mas confesso que não pensei isso por conta do centenário dele. Mas é um artista muito importante para mim enquanto formação.
Esquina: Todo o álbum será de músicas inéditas, ou terá alguma regravação?
Mariana: Por enquanto, sim. No terceiro tem uma regravação, e o quarto também trará outra regravação. Mas acabou sendo mais de inéditas, queria mostrar esses novos compositores, experimentar, exercitar, enquanto compositora.
Esquina: Esse disco que você trabalha já vem sendo acalentado há algum tempo. Você ia fazer um disco de forró em 2015, mas terminou optando por uma coisa mais experimental e particular com o artista plástico, poeta e escritor Nuno Ramos. Sua carreira vem sendo realizada com muitas experimentações, ousadias, particularidades. Entre um trabalho e outro, você sempre procura se provar, se testar, é uma carreira que nunca se tornou estrondosa, de sucesso imediato, mas que nunca foi previsível, imediatista. É uma carreira de muita batalha e pautada na liberdade artística e conceitual...
Mariana: Que bom que você enxerga dessa forma, lutei tanto para que fosse dessa maneira que você fala (risos). Sempre tive essa preocupação artística mesmo de cantar o que viesse no meu coração. Fico feliz em você falar isso, que de fato foi uma carreira muita construída focando tudo isso. Tive essa preocupação de não ficar marcada como uma cantora de algum gênero. Na época do sucesso do Forro Universitário, tive algumas propostas de fazer um disco de forró, mas não aceitei. Não queria ficar marcada somente por um gênero, queria cantar coisas que acredito, independente de gênero e do modismo que toda época traz. Quero cantar o que bater no meu coração, não abro mão disso.
Esquina: Como foi com o samba, gênero que você cantou...
Mariana: Sim, como o samba, que adoro cantar, como minhas músicas, com compositores, as coisas experimentais de Nuno Ramos. Adoro cantar as músicas do Dante Ozzetti. É um pouco minha forma meio esquizofrênica, do meio pai, que era da Vanguarda Paulistana, minha mãe que trabalhou com vários cantores como Lulu Santos, Luiz Gonzaga, Roupa Nova. Gosto de tudo isso. Meu pai era super roqueiro, que gostava de Led Zeppelin, Beatles. Colocava para eu escutar Bobby McFerrin, Ella Fitzgerald, música clássica. Pensava: “Meu Deus, preciso cantar de tudo. Vou ser infeliz se não cantar de tudo”. Agora, se posso fazer um disco do gênero; é a Mariana fazendo um disco de forró, não é uma cantora de forró que só vai cantar aquilo. Não quer dizer que vou seguir para sempre esse gênero, apesar da minha paixão sem medidas. Talvez até continue aí, nessa pegada, com mais um álbum de forró. Mas posso fazer um disco de flauta transversal com zabumba, por exemplo (risos), sei lá.
Esquina: Mas quem se debruça na sua carreira, nesses quinze anos, verá que você faz agora um disco de forró, tendo experimentado um pouco de outras coisas, como a própria MPB, e outros gêneros como o samba. Você, sendo uma cantora que nunca estourou na mídia, como avalia o sucesso?
Mariana: Se ele for fruto do trabalho que você acredita, não vejo problema nenhum, ele é bem vindo, legal. A gente não precisa menosprezar o sucesso. Mas tem que sair de dentro do coração. Não quero fazer uma música para fazer sucesso, nunca foi minha meta. Ter um dia tranquilo com minha filha [Brisa] no parquinho é maravilhoso, é um sucesso (risos), poder vê-la crescer.
Esquina: Você vai completar 40 anos, em maio do próximo ano, é separada do seu primeiro marido, e tem uma filha, Brisa, de seis anos. Como é chegar nessa idade?
Mariana: É maravilhoso, estou amando envelhecer, como já tinha te falado. Cada vez que passa um ano, me sinto mais nova (risos). É um fenômeno que não sei explicar, somente sentir, não sei o que acontece direito. Mas acredito que isso venha do forró, que, primeiro, remete muito a minha adolescência, meu descobrimento enquanto menina, saindo da menina e virando mocinha. Então, o forró sempre permeou essas minhas descobertas. É muito energético, te renova com muita energia. Eu dou energia para ele, e ele retribui com energia também. Para ele rolar, tem que ter muita dose de adrenalina.
Esquina: O forró é sapeca, assim como era Jackson do Pandeiro, um verdadeiro azougue no palco, saltitando feito pião...
Mariana: É sapeca, exatamente (risos). Isso mesmo, o forró é sapeca, gostei do termo (risos). Ele está sempre te olhando de forma sapeca.
Esquina: Não ter sido uma cantora que estourou, não fez grandes sucessos, de alguma forma te fez repensar se tinha seguido a carreira certa, se era isso mesmo que você queria ter feito?
Mariana: Tive muita dificuldade quando lancei meu primeiro disco, porque não sabia lidar com os compromissos da carreira. Era um bicho do mato. Isso dificultou minha relação com a exposição que é necessária para a profissão de cantora, de ir para um lugar e ser logo conhecida pelas pessoas, de elas chegarem para você por conta da carreira, do conhecimento, essas coisas todas. Quando você se expõe, as pessoas podem falar determinadas coisas a teu respeito. Fazer fotos, entrevistas, fazer um show que não é legal, que ficará lá no YouTube, falar uma merda que não tem como voltar atrás, etc. Tinha dificuldade com tudo isso, mas ao mesmo tempo lidar com essas coisas me fortaleceu no começo, achei que não ia dar conta. Mas entendi que tudo era pela música. E sabia que não ia poder ficar sem música, sem ela na minha vida. Então, todo aquele sacrifício era pela música, em favor dela. Minha relação com a música não é somente profissional, é uma coisa espiritual, de ver as pessoas bem com o que canto, alegres, em comunhão, sair do show mais felizes, pensando em coisas que não tinham pensado ainda. No palco, nos shows, faço uma troca energética e espiritual com as pessoas. São trocas que me fazem bem, e acredito que fazem bem também as pessoas que estão lá comigo. Então, só para finalizar, a partir desse momento, aprendi que tudo aquilo fazia era parte dessa missão, a partir daí as coisas se tornaram mais fáceis.
Esquina: O que você acha do forró estilizado?
Mariana: Não acompanho, gosto do forró pé de serra, não escuto mesmo esse tipo de música. Minha praia são os artistas que trabalham com esse forró mais tradicional, digamos. Mas cada um faz o que acha que deve fazer, no que acredita. Mas sigo com meu forrozinho pé de serra tradicional, trazendo a riqueza e as cores dos elementos da música brasileira contemporânea.
SERVIÇO
O que? Banda Forrozin – Participações de Luedji Luna, Marcelo Jeneci, Chico César e Maria Gadú.
Onde? ABolha Rooftop. Endereço: Rua Professor Cesare Lombroso, 161.
Quanto? R$ 30.
Quando? Domingo, 9 de junho.
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