Durante a década de 2000, o mundo viu surgir um número sem fim de animações criativas em nossas TVs. Em canais como Cartoon Network e Nickelodeon, crianças e pais viam maravilhados desenhos como O Laboratório de Dexter, Rugrats - Os Anjinhos, Hey, Arnold!, Johnny Bravo e muitos outros desenhos que fizeram a alegria das pessoas.
Um deles, porém, chamava a atenção não só por sua grande originalidade, mas também pela sua coragem. O desenho Coragem, O Cão Covarde não tinha medo de dar susto em crianças. Passada em uma casa no meio do nada, a história acompanhava a vida de Muriel, uma senhora carinhosa; Eustácio, um idoso rabugento; e Coragem, um cachorro rosa extremamente medroso.
A cada episódio, um monstro -- geralmente, bastante assustador -- aparecia na casa. Coragem precisava proteger seus donos do perigo e tirar o vilão de sua casa, afim de voltar ao sossego de sua vida pacata. No entanto, não era fácil salvar a vida de Eustácio e Muriel: cada episódio, além de risadas, geravam muitos gritos e sustos. Nada convencional para um desenho voltado para o público infantil.
A mente por trás de toda esta inventividade é de John R. Dilworth -- mas que prefere ser chamado pelo apelido de infância, Dilly. Formado em artes pela Escola de Artes Visuais de Nova York, em 1985, ele viu sua carreira alavancar nos anos 1990. Dirigiu um curta de animação, The Chicken from Outer Space, e, com ele, foi indicado ao Oscar. Não venceu, mas no ano seguinte criou o que seria seu maior sucesso até hoje: o desenho do cachorro Coragem.
O Esquina conversou com Dilly sobre a carreira, sonhos, desenhos animados, futuro e, é claro, sobre teorias da conspiração. Leia, abaixo, os melhores trechos:
Esquina da Cultura: O desenho 'Coragem, o Cão Covarde' fez muito sucesso aqui no Brasil. Por que você acha que as pessoas se interessam tanto pelo desenho? Qual o grande diferencial?
Dilly: O Brasil é uma terra misteriosa e eu suspeito que os brasileiros vêm de toda a Galáxia. Eu assisti a um simpósio em Manaus sobre plantas indígenas e foi mostrado para mim todo esse mistério. O desenho Coragem, O Cão Covarde compartilha muito disso que está escondido no mundo exterior e interior de cada um, de cada lugar. Acredito que os brasileiros, assim como o desenho, também devem compartilhar deste mistério. Talvez por isso tamanho sucesso.
Sempre achei incrível como 'Coragem' consegue juntar terror com histórias infantis. Você não acha que falta mais coisas assim? Afinal, as crianças também aprendem muito com o horror.
Concordo que o gênero de terror é um maravilhoso jeito para contas histórias. E hoje, de fato, eu não encontro muito terror em animações, com aquele interesse mítico que eu tinha no 'Coragem'.
Mas o que te fez colocar terror nas animações?
Quando eu comecei, percebi que estava satisfeito de estar com medo e de assustar as outros. E eu queria colocar isso em um contexto infantil, de desenho animado. Queria mostrar para as crianças que as coisas assustadoras são as coisas que não vemos.
E deu certo fazer isso, então?
Para conseguir fazer isso, coloquei um pouco de comédia, para que as pessoas conseguissem ultrapassar esse material assustador. No final, acredito que as crianças compreendam essa minha mensagem intuitivamente.
O que você acha dos desenhos animados hoje em dia? Tem algum que te chama a atenção?
Atualmente, a minha opinião sobre desenhos animados é confusa. Mas tem um desenho que eu admiro muito, da PBS Kids, que é o “Peg + Cat”. É um desenho pré-escolar mais esperto do que muitos adultos que encontro por aí.
Aqui no Brasil, há uma grande dificuldade na produção de desenhos animados. Falta investimento, interesse. O que você sugere para quem quer criar desenhos, mesmo sem possibilidades?
Há algum tempo, passei quatro meses no Uruguai, estudando na ótima Faculdade de Animação de Montevidéu. Lá, debati muito sobre a questão de como crescer nessa indústria. No final, eu concluí que devemos criar mais. Crie mais ideias de desenhos animados. Esta visão individual sobre os desenhos precisa ser nutrida, independente do resultado. Estar presente numa televisão, vender seu produto e ser um sucesso é algo muito breve. O importante mesmo é ter sementes de inspiração e criatividade sempre.
Falando em criatividade: junto com o sucesso de 'Coragem' surgiram várias teorias da conspiração. Uma delas diz que todos os monstros são imaginação do Coragem. O que você acha disso? As teorias são verdadeiras?
Dezesseis anos depois de lançar Coragem, encontrei muitas teorias sobre o desenho. E eu nunca ousei discordar de nenhuma delas. Cada indivíduo interpreta o desenho à sua maneira, como deveria, pois nenhum de nós é igual. O que é mais interessante, pra mim, não é a teoria da conspiração que ronda o desenho, mas o que as teorias revelam sobre os indivíduos que as elaboram.
Quais os seus atuais projetos? O que você está fazendo?
Atualmente, estou trabalhando que nem um maluco no meu novo filme, Goose in High Heel. Nós estamos quase terminando. Passei dois anos fazendo a animação, todo o dia. Acho que é um projeto muito importante para o mundo. Fala sobre amor, sobre morte. Mas tudo com muita comédia. E eu também tenho um canal, chamado Stretch. Lá eu falo sobre cinema, sobre os meus novos trabalhos e sobre o Coragem. Afinal, é sempre bom relembrar um pouquinho do passado.
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