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Foto do escritorAmilton Pinheiro

Mostra de Cinema de Gostoso: Da telona das areias para a tela do computador


Desde que a pandemia da covid-19 entrou nas vidas dos brasileiros de forma implacável a partir de março de 2020, os festivais de cinema, entre outros eventos culturais, passaram a acontecer em sua grande maioria de forma online. Foi assim com o Festival de Gramado, em agosto, e com a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro.

A 7ª Edição do Festival de Cinema de Gostoso, que aconteceria como de costume nas areias da Praia de Macéio, em São Miguel de Gostoso, no Rio Grande do Norte, em novembro de 2020, precisou ser adiada para este ano. “O principal palco da Mostra de Cinema de Gostoso é a sala de cinema montada ao ar livre na Praia do Maceió em São Miguel do Gostoso. Diferente de outros festivais que podem controlar o acesso e quantidade de público, respeitando assim, as medidas de distanciamento social, não conseguiríamos limitar o acesso do público em uma sala ao ar livre”, explica Eugênio Puppo, um dos diretores gerais e curadores do festival, juntamente com Matheus Sundfeld. Ele já antecipou que a próxima edição será realizada em novembro deste ano na praia de Macéio, claro, caso todos já tenham sido vacinados.

A partir desta quarta até dia 14, o festival pode ser visto pelo site do evento (www.mostradecinemadegostoso.com.br) na plataforma de streaming Innsaei.TV (http://innsaei.tv#). Entramos no site e nos cadastramos na plataforma, o que aconteceu sem maiores dificuldades. Todos os filmes das mostras estão lá em “janelas” especificas e bem organizadas, e podem ser vistos durante os cinco dias que irão acontecer o evento.


A Memória Audiovisual

Como se trata de uma edição atípica, Puppo falou que este ano eles não tiveram inscrições. Os filmes foram selecionados por ele e Sundfeld através de convites feitos aos cineastas. Como um dos recortes foi a questão da memória – no tocante a preservação do acervo do audiovisual brasileiro, tendo em vista a crise que se agravou com o descaso do governo federal em relação a administração da Cinemateca Brasileira, em São Paulo –, os curadores tiveram a ideia de solicitar aos realizadores dos longas da Mostra Nacional, com seis filmes, que escolhessem uma produção da filmografia brasileira que marcaram suas formações.


O que se revelou num grande achado para falar de memória e de preservação, já que se trata de filmes com cópias não somente depositados no acervo da Cinemateca Brasileira, mas que fazem parte de toda lista das melhores produções da filmografia nacional.

A Mostra Nacional, a principal do evento, é composta por seis longas e dez curtas. Nos longas, temos: Açucena, de Isaac Donato (BA), um dos destaques do Festival de Tiradentes deste ano, realizado também de forma online; Antena da Raça, de Paloma Rocha e Luís Abramo (SP); Até o Fim, de Glenda Nicáciio e Ary Rosa, realizadores do Recôncavo baiano, em sua terceira produção juntos; Cavalo, de Rafhael Barbosa e Werner Salles (AL); Cidade Correria, de Juliana Vicente (RJ); e Nuhu yãg mu yag hãm – Essa Terra é Nossa!, de Isabel Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero (MG). Todos os filmes finalizados entre 2020 e 2021. É um festival político, como não poderia deixar de ser, segundo Puppo. “Os festivais passaram a se pautar por uma curadoria mais política, optando por filmes com um enfrentamento direto aos últimos governos, ou com pautas identitárias”.


Da filmografia brasileira escolhidos pelos realizadores da Mostra Nacional, tem desde Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, Copacabana Mon Amour (1970), de Rogério Sganzerla, São Bernardo (1972), de Leon Hirszman, e longas mais recentes como Bicho de Sete Cabeças (2000), de Laís Bodanzky; e Martírio (2016), de Vincent Carelli, até um dos filmes menos conhecidos de Glauber Rocha, Claro, que ele realizou no seu exílio na Itália em 1975.


Confira, a seguir, a entrevista do Esquina com Eugênio Puppo, um dos curadores do festival. Esquina da Cultura: A 7ª edição da Mostra de Cinema de Gostoso aconteceria em 2020, em novembro, ano da pandemia de Covid-19, com a realização online ou hibrido, com uma parte presencial. Por que vocês não fizeram a presente edição em novembro último, já que outros festivais, como Cine Ceará, conseguiu realizar sua edição? Vocês farão, caso tenha vacina, a 8ª edição em novembro como de costume?

Eugênio Puppo: O principal palco da Mostra de Cinema de Gostoso, é a sala de cinema montada ao ar livre na Praia do Maceió em São Miguel do Gostoso. Trata-se de um espaço totalmente aberto, sem cobrança de ingresso. Diferente de outros festivais que podem controlar o acesso e quantidade de público, respeitando assim, as medidas de distanciamento social, não conseguiríamos limitar o acesso do público em uma sala ao ar livre. Temos sim a intenção de realizar a oitava edição de forma presencial, em novembro deste ano, mas tudo dependerá das condições de saúde e do número de pessoas vacinadas até lá. Esquina: Como foi o trabalho de curadoria para esta edição? Fale um pouco da Mostra Nacional de longas e curtas, da ideia de chamar os realizadores de longas para escolher filmes clássicos do audiovisual brasileiro, e da exibição desses filmes em cópias restauradas. E do recorte da memória audiovisual brasileira?

Eugênio: Diferente das edições anteriores em que abrimos inscrições meses antes do início da Mostra, e recebemos por volta de 800 filmes de todo o país, para esta edição online, não teríamos tempo hábil para um processo de seleção tão longo mantendo a qualidade de curadoria e a devida atenção a todos os filmes inscritos. Decidimos então por convidar os filmes. Trata-se de uma edição excepcional e, portanto, tivemos que fazer uma série de adaptações na programação. Uma delas foi a eleição de um eixo temático que percorresse toda a programação. Optamos por centrar o debate a respeito da memória, tanto no que diz respeito à preservação audiovisual brasileira, quanto à aspectos mais subjetivos e pessoais. Que memórias carregaremos de todo esse isolamento e privação de experiências a que estamos sujeitos? Como isso será refletido nos filmes que ainda virão? Onde esses filmes ficarão armazenados? A Cinemateca Brasileira passa atualmente por uma das maiores crises de sua história e não temos nenhuma perspectiva concreta de que a situação irá melhorar tão cedo. Interessante notar que muitos filmes da Mostra Nacional têm a memória de suas personagens como elemento central das narrativas. A ideia de convidar os(as) realizadores(as) a indicar filmes que marcaram suas trajetórias, veio no sentido de também trazê-los(as) para o debate sobre a memória audiovisual brasileira e uma de maneira de participação ativa na Mostra online, uma vez que não poderemos recebê-los(as) presencialmente. Esquina: Nos últimos anos, os festivais passaram a dar mais atenção a filmes com pautas identitárias, de gênero, étnicas e raciais e temáticas urgentes. Como equilibrar na escolha da curadoria, filmes com temas mais existenciais e menos urgentes? De que maneira, isso atrapalha nas escolhas de filmes mais elaborados no tocante as questões estéticas e de linguagem?

Eugênio: Creio que isto está respondido na [próxima] pergunta.

Esquina: Desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, os festivais passaram a primar por recortes mais políticos e identitários. Com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, com o desmonte na Cultura, inclusive com ataques ideológicos e de aperto na Lei Rouanet, isso se intensificou ainda mais nas curadorias dos festivais, tornando-os lugares para entender o que está acontecendo no Brasil e de como a sociedade vem sendo negativamente afetada. Comente um pouco....

Eugênio: Os festivais passaram a se pautar por uma curadoria mais política, optando por filmes com um enfrentamento direto aos últimos governos, ou com pautas identitárias. Falando pela nossa experiência na curadoria da Mostra de Cinema de Gostoso, o que podemos notar a partir dos filmes que se inscrevem anualmente, é que a produção de filmes reflete de maneira direta a nossa sociedade. Então acaba sendo naturalmente uma escolha por filmes políticos e um reflexo do nosso país no momento atual. Claro que a produção de filmes brasileiros é bastante diversa, mas enxergamos que os festivais de cinema são uma janela muito importante para os filmes independentes que propõem uma reflexão mais aprofundada de nossa sociedade. Esquina: Quais foram as maiores contribuições da Mostra de Cinema de Gostoso para localidade, tendo em vista o Coletivo Nós do Audiovisual, formado por jovens de São Miguel de Gostoso?

Eugênio: Desde sua primeira edição, o projeto aposta em oferecer aos jovens de baixa renda do município e distritos arredores uma série de cursos de formação técnica e audiovisual. Os cursos têm como objetivo proporcionar aos jovens o domínio de toda a cadeia da produção cinematográfica. São transmitidos conhecimentos teóricos e práticos, abordando temas como história do cinema, elementos de linguagem audiovisual, produção, fotografia e roteiro. O conhecimento adquirido pelos alunos ao longo do ano é colocado em prática com a realização de curtas-metragens e a participação direta na equipe de organização da Mostra de Cinema de Gostoso. Tanto as temáticas que envolvem os cursos quanto os filmes produzidos são pensados dentro de uma lógica de valorização das tradições e costumes da comunidade. Os alunos são incentivados a explorar o imaginário cotidiano de São Miguel do Gostoso ao elaborarem seus roteiros, dentro de um processo de reconhecimento da cultura local. Dessa forma, eles acabam por refletir sobre o ambiente que vivem de maneira crítica e cultivam a formação de suas identidades. A partir dos cursos de formação, os jovens de São Miguel do Gostoso criaram o Coletivo Nós do Audiovisual, que já realizou 20 curtas-metragens. Os filmes do Coletivo já foram premiados em diversos festivais de cinema, como o 30º Festival Internacional de Curtas de SP, o 12º Los Angeles Brazilian Film Festival e o 8º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, além de terem sido licenciados para canais de TV como o Canal Brasil e TV Cultura.

 
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