Uma das características humanas, que inclusive vem se acentuando com o passar do tempo, diz respeito à nossa necessidade em categorizar as coisas; sejam objetos, músicas, filmes, obras de artes, roupas, até pessoas. Mais de uma vez já me percebi saindo do cinema e comentando "Ah, mas isso é puro entretenimento. Não é um filme pra pensar". Nossa tendência à organização, à clareza, não deixa de ser uma tentativa de obtermos controle sobre determinada situação. Inspirado no romance homônimo de André Aciman, Me Chame Pelo Seu Nome é uma sutil e belíssima obra de arte que não se encaixa nos padrões e em categorizações.
Em suas 2 horas e 12 minutos de duração, podemos nos deparar com diferentes idiomas, entre eles inglês, francês, alemão, italiano e hebraico, o que me obrigou a ir atrás da origem do filme. Ainda que a naturalidade com que se falem inúmeras línguas seja algo bonito de ver, a história se passa no Norte da Itália, em 1983. Elio (Timothée Chalamet) é filho de Perlman (Michael Stuhlbarg) que, durante as férias, hospeda em sua casa seu assistente de pesquisa Oliver (Armie Hammer). Pretendendo passar 6 semanas junto à eles, Oliver, um norte-americano de New England, demonstra interesse em explorar mais aquela região italiana. Elio se oferece para ajudá-lo e a partir daí os dois começam um relação muito sutil, que vai se desenvolvendo com extrema delicadeza.
A personalidade de Oliver é bastante clara: inteligente e extremamente charmoso, consegue chamar atenção de quem quiser. No entanto, logo que ele e Elio se aproximam, a relação dos dois é bastante dúbia, e essa é uma das grandes qualidades do filme. Toda a história configura-se nas entrelinhas. Logicamente, algumas coisas vão tomando forma, mas ainda assim é quase impossível adquirir grandes certezas. O relacionamento dos dois possui uma sutileza admirável. Percebemos o lado sensível de Elio, que se torna mais visível perto de Oliver. Mais do que descobrir sua bissexualidade, ele se apaixona pela primeira vez. Ao mesmo tempo que precisa, e essa necessidade é muito bem retratada, da presença do outro para enfrentar tais emoções, Oliver, por ser mais velho e, portanto, de uma outra geração, constantemente se esquiva, baseando-se nos conceitos de certo e errado.
Ainda que dê importância às personagens que fazem parte da vida de Elio, é com ele que o espectador cria uma maior empatia, uma maior conexão. Podemos vê-lo em todos os momentos, sejam eles banais como andar de bicicleta, até àqueles que dizem respeito à descoberta de sua sexualidade. O protagonista também prende o público por seu talento artístico, dando criação à parte de uma incrível trilha sonora. Os sentimentos de Elio parecem ser de uma magnitude grandiosa, e ele as externaliza através da música e da literatura, e também de gestos. A cena final do filme é extremamente dolorosa, apesar de silenciosa.
O filme, mesmo com um roteiro elogiável, é movido à emoção. Muitos diálogos são subjetivos e permitem diferentes interpretações, em especial o monólogo de Perlman, quando fala que admira a amizade (utilizando exatamente este termo) entre seu filho e Oliver. Enquanto discorre sobre a importância daquilo que se viveu, e à dor que surge quando acaba, questiona-se até que ponto ele está falando sobre Elio ou sobre ele mesmo. Chega a mencionar que chegou perto de ter uma relação como a dos dois, mas não igual. Em momento algum expõe-se o assunto da conversa, simplesmente admite-se que ele sabe do que os dois viveram, e utiliza essa deixa para falar sobre si mesmo. É um monólogo tão intenso e subjetivo que torna a identificação com aquilo muito mais provável.
Me Chame Pelo Seu Nome é um romance que trata, prioritariamente, sobre a descoberta de um grande amor, junto com a bissexualidade. Porém, acredito que o filme peque levemente num aspecto. Estamos em 2018 e, infelizmente, ainda é bastante comum nos depararmos com pessoas que não aceitam a orientação sexual alheia. Ainda que estejamos num caminho de progresso, é preciso lembrar que, há 35 anos, época em que se passa a história, a aceitação era ainda mais rara. Como eu disse, ainda que nas entrelinhas, todos no filme parecem aceitar bem a questão da homossexualidade/bissexualidade de maneira muito aberta, algo que se torna ainda mais improvável pensando que vivem no interior da Itália, numa espécie de vilarejo. Reconheço que a família de Elio era composta por intelectuais e, talvez por isso, o modo de lidar com isso fosse mais avançado. Porém, pensando no cenário maior e todas suas circunstâncias, ainda parece pouco provável.
Encontra dificuldade quem tenta categorizar Me Chame Pelo Seu Nome. É um drama delicado, ainda que trate de assuntos extremamente relevantes; erótico, ainda que trate da sexualidade de maneira sutil, dando espaço à sugestão; um romance, ainda que não tenha um final feliz quadrado igual estamos acostumados. Uma verdadeira obra de arte em roteiro, direção e fotografia, Me Chame Pelo Seu Nome é provavelmente um dos filmes mais belos que já tive o prazer de assistir.
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