Há cerca de três anos, o escritor brasileiro Joca Reiners Terron desperdiçou tinta e espaço de jornal para dizer que A verdade sobre o caso Harry Quebert era “literatura de banheiro”, a ser lida apenas quando não há nada melhor por perto. Bobagem pura, talvez até recalque. Terron é um bom escritor -- não é à toa que ganhou o prêmio Machado de Assis --, mas não chega perto de vender o que Joël Dicker vende. E detalhe: o suíço tem apenas pouco mais de 30 anos.
Claro, há erros no livro de Dicker. Erros que qualquer autor iniciante -- seja um gênio ou um escritor que nunca vai sair do lugar -- comete. Há descrições exageradas e, principalmente, uns diálogos forçados. Foi neste último ponto que Terron se segurou para derrubar o livro de Dicker. É uma falácia, como dizem por aí. Afinal, A verdade sobre o caso Harry Quebert tem bons personagens, uma boa trama e um mistério deveras interessante, que deixa o leitor preso na narrativa.
E agora, com O Livro dos Baltimore, a escrita de Dicker se mostra mais afinada e os erros cometidos no seu primeiro livro publicado no Brasil estão mais raros e menos influentes no resultado final da obra. Se Terron parasse para apreciar a literatura do suíço, veria a clara evolução da escrita e, principalmente, na boa criação da história. Quem sabe, o brasileiro já consideraria Dicker digno da sala de estar ou, quem sabe, do quarto. Para mim, o suíço já é uma promessa.
Na história, voltamos a acompanhar a vida de Marcus Goldman, um alter ego de Dicker -- apesar deste negar. Desta vez, porém, não é um grande mistério que o escritor-personagem precisa desvendar. Em O Livro dos Baltimore, ele simplesmente se propõe a contar uma história de família, dividida em dois clãs e com um dia fatal colocando um ponto final nos integrantes. Ao longo da leitura, adentramos na casa da tal família e vamos entendendo o drama que a abate.
Dicker, desta vez, volta a se valer de uma escrita não-linear, que vai circundando a história e deixando o leitor curioso. Algumas vezes não funciona e a coisa fica um pouco perdida. É preciso atenção às datas para compreender a totalidade do que se passa. Os personagens estão maduros: Goldman, que retorna, está bem mais interessante; Alex dá força; os primos são personagens bem construídos que conseguem transitar entre o protagonismo e o status de coadjuvante.
O que dá brilho total ao livro, porém, é o modo que Dicker conduz a trama. Claramente, é preciso de muito mais experiência para construir uma narrativa à altura de escritores com os quais ele está sendo comparado no exterior. No entanto, seu modo de escrita é leve e faz com que as páginas voem na frente dos olhos. Tudo isso de uma maneira leve, delicada e sem alguns arroubos emocionais que poderiam ser vistos em A verdade sobre o caso Harry Quebert.
No final, a sensação é de que O Livro dos Baltimore é uma leitura mais deliciosa, agradável e intensa que a obra anterior de Dicker, mostrando que ele afinou a escrita e evoluiu muito como escritor. É a mostra de que ele tem, sim, o que melhorar, mas que está longe de ser um autor de “literatura de banheiro”. Isso, sem dúvidas, é rancor, talvez inveja, de um rapaz que acabou de aparecer no mercado editorial e que já começa a ver frutos. Aguardo com ansiedade as próximas histórias.
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