Você já imaginou o que discursaria e o que faria se ganhasse um Oscar? Ou um Pulitzer? Um Nobel? O escritor mineiro Jacques Fux não apenas imaginou, como também escreveu um livro aventando essa última possibilidade. É o recém-lançado Nobel, da José Olympio, que chegou às livrarias neste mês. Irônico e satírico, a nova obra do premiado autor de Antiterapias e Brochadas faz um passeio pela mentalidade do panteão de escritores mundiais.
"É um narrador que coloca o dedo na ferida. Que revela e expõe infâmias, segredos, maledicências, e atos inglórios e vergonhosos dos escritores e de toda sociedade", explica o autor em entrevista exclusiva ao Esquina. Nobel, aliás, acaba fazendo parte de uma "quadrilogia" do mineiro, que explora um personagem sempre em constante perturbação, seja ela amorosa ou em desconexão com a sociedade. É um sinceridade literária e social desconcertante.
Quem lê a nova obra provocativa de Fux não sai impassível do processo. Ao longo da trama, que é a completa "decupagem" de um discurso do Nobel, sobre alfinetadas para todos os lados: desde escritores, a essência da literatura e indo até a própria entidade que provê a tal premiação. "Nobel foi publicado justamente no momento em que se revela o lado obscuro, misógino, assediador da Academia Sueca. Será que o livro desencadeou esses episódios?", provoca o autor
Abaixo, então, confira os melhores trechos da entrevista de Fux ao Esquina, onde ele comenta a inspiração para seu novo livro, a saga de seu protagonista e o que espera com a nova publicação:
Esquina da Cultura: Antes de tudo: como surgiu a ideia de 'Nobel'? Onde ele se encaixa dentro da sua obra recente?
Jacques Fux: No meu primeiro livro de ficção, Antiterapias, o narrador já menciona o desejo de receber a láurea maior da literatura. Ao longo da minha obra, esse “mesmo” narrador enfrenta diversos problemas: o primeiro amor e os desencontros amorosos (em Antiterapias), o encontro e a descoberta com a sexualidade, e também com as falhas, com o imponderável, com a desconexão e o entendimento do outro (em Brochadas); a questão da loucura, do bullying, do ódio pelo diferente e pelo estrangeiro (em Meshugá). E então, finalmente curado, ou mais perturbado ainda, o narrador recebe o Nobel! E o Nobel, por acaso ou competência do “destino”, foi publicado justamente no momento em que se revela o lado obscuro, misógino, assediador da Academia Sueca. Será que o livro desencadeou esses episódios? Matérias no mundo estão revelando casos de assédio e política nessa prestigiosa instituição.
Esquina: Nos seus últimos livros, você está seguindo uma tendência de colocar anti-heróis no centro das histórias, desconstruindo algumas figuras. Aqui você vai de encontro ao escritor premiado. Como foi compor essa personagem?
JF: Esse personagem, de fato, é bem satírico e perverso. É um narrador que coloca o dedo na ferida. Que revela e expõe infâmias, segredos, maledicências, e atos inglórios e vergonhosos dos escritores e de toda sociedade. Mas ele também se coloca como protagonista de todos esses atos. Ele é o outro “autor” e o outro “protagonista”. Ele assume um papel quixotesco e borgiano ao se tornar/transformar/transtornar nos seus heróis desconstruídos. Ele é um personagem rico literariamente falando e que quer colocar a baixo os moinhos de vento que são o alicerce das Instituições e da politicagem humana.
Esquina: O livro há um quê de kafkiano. Além de Kafka, qual foi a inspiração para a escrita de 'Nobel'?
JF: Sim. O livro inicia falando do “Relatório para a Academia” que Kafka escreveu. Um texto irônico em que o protagonista – um macaco – faz um discurso para os “Acadêmicos”. Além de Kafka, há muito de Borges e Foucault – quando eles falam da vida dos homens infames – e, claro de todos os autores laureados e canônicos. Li e pesquisei a vida e obra de quase todos os laureados, além de ler seus maravilhosos discursos ao receberem o Nobel!
Esquina: Acredito que, de alguma forma, 'Nobel' possa incomodar um pouco o meio literário. Como você encara isso? Acha que pode ter reações contrárias?
JF: Acho que o Nobel não acusa se abstendo dos crimes e das faltas. Não. O Nobel se coloca no meio em que está inserido. Ele fala das próprias infâmias perpetradas, da hipocrisia, da sua própria desconstrução. Mas o livro faz uma apologia à Literatura! É um livro que glorifica os cânones literários e idolatra a ficção.
Esquina: Qual sua expectativa com relação ao 'Nobel'?
JF: Uai, obviamente receber o prêmio Nobel! Afinal, para você receber o milhão de dólares você precisa de duas coisas: ser nomeado e entregar o discurso. Se você só for nomeado, mas não entregar em até seis meses o discurso de aceitação, você não recebe esse milhão. No meu caso, já tenho o discurso pronto e “entregue”. Fico aguardando a nomeação!
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