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Foto do escritorTamires Lietti

Intensa e visceral, 'The Act' é a prova viva do potencial do Hulu


Como consumidora assídua de séries de TV, consigo admitir que algumas bobagens ainda fisgam meu coração. Séries adolescentes que vão de nada a lugar nenhum tem lá seus encantos, vou admitir. Mas eu gosto mesmo daquelas que tiram o fôlego, que estatelam o olho, que causam desconforto ou fazem o coração acelerar, seja da forma que for. The Act fez mais: me deixou enojada e nervosa a ponto de me fazer fechar os olhos pra evitar aquela aflição agridoce de “quero-mas-não-quero” ver isso. É disso que eu estou falando.

Para começar, podemos colocar na conta do excelente elenco a primeira surpresa. Patricia Arquette (Boyhood) e Joey King são aterrorizantes e geniais juntas. King, diretamente da rom-com da concorrência, A Barraca do Beijo, sucesso adolescente do Netflix, agora entrega com suor e sangue uma personagem completamente diferente: Gypsy Rose Blanchard, a vítima (e, de certa forma, também culpada) da história central.

Para quem não leu nada sobre o caso e mergulha em The Act sem saber, a pulga atrás da orelha vem logo no episódio piloto. Uma mãe solteira excessivamente cuidadosa, uma vizinhança amigável e uma filha doente até as unhas dos pés, é isso que vemos de pronto. O cenário é de calmaria e Gypsy aparece para nós como uma criança presa em uma cadeira de rodas, em constante luta contra alergias intensas e fazendo uso de um tubo de alimentação. Totalmente dependente da mãe, Gypsy não tem amigos e nem noção da realidade. Nos minutos finais do episódio a coisa muda. E é aí que a série prende desde o menos até o mais informado sobre o caso de Gypsy Rose Blanchard.

The Act é, então, baseada em fatos reais. O caso ocorreu recentemente e talvez isso colabore um tanto no potencial da série de desencadear arrepios. O crime chocante aconteceu em terras americanas, no estado do Missouri, em 2015. Com a ajuda de um namorado de personalidade duvidosa (psicopata, em termos mais diretos), Gypsy Rose planejou o assassinato da mãe, executado na madrugada de uma noite qualquer. O corpo de Dee Dee foi encontrado alguns dias depois, graças a denúncia dos vizinhos após um post agressivo feito no Facebook. O assassino e parceiro de Gypsy confessou o crime online de forma misteriosa, sem deixar rastros. Dentro da casa, apenas o corpo esfaqueado. Nenhum sinal da até então dependente e fraca Gypsy.

A historia é aterrorizante mesmo se só houvesse esse lado pra contar. Mas ouso a dizer que se fosse só isso, The Act jamais entregaria tanto para nó espectadores. A cereja do Sundae vem com o desfecho do caso, quando Gypsy Rose e o namorado Nicholas Godejohn são encontrados pelo polícia. Gypsy está, oficialmente, em perfeitas condições físicas, conclusão que já nos é entregue ao longo dos episódios de forma bastante desesperadora e homeopático longo de The Act fica mais que evidente os muitos detalhes perturbadores da relação de Dee Dee com a filha e consequentemente a relação das duas com o mundo externo.

A casa habitada por elas foi doada, Gypsy foi exposta a nação em um prêmio humanitário por tudo o que passou e por ser considerada uma menina incansável, uma verdadeira sobrevivente. Mas a grande verdade é que tudo seria muito lindo de ver e tocaria muito fundo em quem assiste se não fosse o fato de que a série oscila entre a realidade forçada pela mãe para Gypsy e os momentos em que temos acesso ao real motivo do crime cometido pela adolescente.

Com o passar dos anos, Gypsy se dá conta que sua mãe é tudo, menos sua melhor amiga. Dee Dee é doente, portadora da rara e inexplicável Síndrome de Munchhausen. Pra quem acompanhou a também excelente Objetos Cortantes (HBO), o termo soa familiar. O desvio mental faz com que as pessoas provoquem doenças a si mesmos ou a aos próximos familiares pela necessidade impulsiva de atenção. As táticas vão desde fingir dores, solicitar remédios ou provocar cortes e feridas até o nível Dee Dee Blanchard da doença, mostrado na série, que sustentou por anos a mentira em torno da filha nascida perfeitamente saudável.

A co-dependência de Gypsy e Dee Dee e além do tóxico, não consegui achar o termo perfeito pra situação vivida pelas duas. E com certeza o que mais me choca em toda a encenação é saber que toda essa toxicidade foi vivida a flor da pele pela verdadeira Gypsy. Aqui deixo minha grande admiração por King por ter dado vida a ela com tantos extremos, desde a cabeça raspada até a voz fininha de criança que não falhou em nenhum episódio. É coisa de louco o progresso da atriz.

The Act tem sido, até então, uma experiência bastante imersiva. É difícil passar ileso das aflições e dos arrepios e dos queixos caídos. O desespero e agonia da vida levada por Gypsy e a loucura sem motivo aparente de Dee Dee Blanchard ultrapassam a telinha. Afinal de contas, o mix tinha pouca probabilidade de dar errado: uma história real, recente e bizarra, uma superprodução e atores espetaculares. Hulu apostou bem e acertou em cheio.

Para quem já teve interesse de ler sobre o caso como eu, o final da série deixa de ser um mistério. Mas prefiro manter minha conclusão sem spoilers para potencializar a experiência daqueles que ainda não tiveram tanto acesso ao caso da família Blanchard em questão. Gypsy e o namorado ainda existem na vida real e o destino dado a eles ainda gera muito debate. Quando a série terminar, te desafio a responder minha pergunta mentalmente: você culparia Gypsy Rose por ter feito o que fez?

 
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