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Foto do escritorAmilton Pinheiro

Um Flipoços feito na garra e nas parcerias



“Quando amanhã alguém quiser escrever a história da vida brasileira deste último quarto de século terá, com certeza, muita dor de cabeça. Pois os tempos são confusos; e há tanta história que hoje a gente não consegue saber direito; e os escritos desta época andam tão cheios, ora de inverdades, ora de subentendidos, ora de omissões e enganos, que, entre as linhas e entrelinhas dos documentos, o historiador ficará a coçar o queixo – se for um homem prudente”.


Essas palavras acimas poderiam muito bem terem sido ditas por um intelectual, um pensador ou alguma personalidade da atualidade, mas não. Esse trecho de uma crônica foi publicado em 3 de junho de 1944, no Diário Carioca, com o título de Ordem do dia, por aquele que seria considerado um dos maiores, ou o maior, cronista do país, Rubem Braga. 


A importância da crônica no Brasil sempre foi escrita, festejada e lida por aqueles que queriam tentar decifrar um país tão contraditório, complexo e de inúmeras armadilhas de compreensão, de entendimento. Não é a toa que um dos maiores eventos literários do país, o Festival Literário Internacional de Poços de Caldas, o Flipoços, escolheu como tema principal da sua 19a edição, que começou no dia 27 de abril e se estenderá até 05 de maio, “A Crônica nossa de cada dia”, para orientar as mesas e os 150 convidados de uma vasta programação para dar conta, segundo a sua curadora, Gisele Corrêa Ferreira, da pluralidade cultural.


“O Festival segue uma linha temática, que neste ano é a Crônica. Mas como um dos mais diversos festivais literários do Brasil, o Flipoços não se limita somente ao tema central, mas segue uma linha de pluralidade cultural, diversidade de tema e ecletismo de ideias. Então neste sentido, o nosso Festival é agregador e pensado para beneficiar todos os tipos de públicos”, explica Gisele na entrevista que deu com exclusividade para o Esquina, por e-mail.


Pensando sempre no público que acompanha o Flipoços pelas tendas distribuídas na praça principal da cidade, o cardápio de assuntos e das áreas da cultura é bem amplo, passando pela literatura, claro, música, cinema, etc, e trazendo assuntos tão atuais e pertinentes para compreender nossa tão longeva contradições. “ A programação é sempre pensada para atender a grande maioria dos públicos. A estruturação dela é feita de forma compartilhada com editoras, livrarias, co-curadores, pessoas comuns e apaixonados pelo Flipoços”, revela Gisele, que está realizando a maior edição do Flipoços.


Em um estado em que o governo estadual que tende a extrema direita, o governador Romeu Zema, do Partido Novo, não é afeito à Cultura, fazer qualquer evento nesta área é um trabalho árduo e inglório. Segundo revelou a curadora Gisele, na última hora o governo do estado declinou da participação que teria na edição deste ano. “ O Governo de Estado que poderia ajudar pelo menos através dos vales livros para os alunos das escolas da Rede Estadual, na última hora retirou o apoio”, conta, para logo em seguida falar também da falta de apoio da prefeitura de Poços de Caldas. “A prefeitura de Poços de Caldas, este ano por ser eleitoral não ajudou com nenhum centavo”, o que a deixou, nas palavras dela “meio órfãos”, restando somente a iniciativa privada, como sabemos é uma verba bem seletiva, sobrando pouco apoio para Cultura. “ E a iniciativa privada, salvo empresas, algumas são alheias à nossa comunidade e não apoiam nada”, testemunha.


E como foi feito uma edição tão ampla e diversificada, com tantas convidados como o imortal e biografo Ruy Casto, o escritor Inácio de Loyola Brandão, a historiadora Mary Del Priore, o multiartista e escritor Fausto Fawcett, o crítico musical e biógrafo Julio Maria, o empresário e produtor musical, João Marcello Bôscoli, entre tantos outros. Gisele revela: “or aí, veja como conseguimos erguer esta Vila Literária maravilhosa. Puro amor, boa vontade, parceiras e muita fé”.

Esquina em Poços de Caldas


A reportagem do Esquina da Cultura chegou nesta terça-feira, 30, na cidade para acompanhar essa maratona em que o livro, a palavra e o escritor, são as celebridades desse lugar mineiro conhecido pelas  águas medicinais e seus banhos termais. Durante esses nove dias, serão tantas atividades e encontros que não vai faltar atração para ninguém. 


E o encontro de hoje a tarde, na junção de Literatura e Música, entre o jornalista, crítico musical e biógrafo Julio Maria e o empresário e produtor musical João Marcello Bôscoli, para falar sobre os desafios de escrever biografias no Brasil, não poderia ter sido mais feliz. 


Uma tenda lotada em grande parte de estudantes do ensino fundamental, recebeu os convidados Julio Maria e João Marcello Bôscoli que falaram de forma exemplar,  descontraída e cúmplice, já que se conhecem e participaram de outros encontros, mostrando o amplo domínio do autor das biografias sobre Elis Regina e Ney Matogrosso e o conhecimento íntimo do filho mais velho da cantora Elis Regina (194-1982) sobre o tema de biografias.


Julio Maria revelou que fará uma edição ampla da biografia de Elis Regina lançada em 2015, em 2024, ano em que se comemora os 80 anos de nascimento da artista, contou que recebeu apoio da família da Elis, no caso os três filhos e um dos maridos da cantora, César Camargo Mariano, e pôde tocar em assuntos espinhosos como a relação da artista no final da carreira com cocaína, o que a levaria a morte prematura em 19 de janeiro de 1982 por uma suposta overdose. 


O filho da Elis, João Marcello Bôscoli, que lançou em 2019 o livro de memórias de infância entre ele e a mãe “Elis e Eu – 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe “(Editora Planeta), falou que foi difícil aceitar algumas histórias negativas em relação a mãe, que para ele, apesar dos defeitos, era vítima de muitas distorções e até invenções a respeito dela. “Muita gente que conheceu Elis e conviveu com ela, distorce algumas coisas a respeito da minha mãe”. 


No final da conversa, alguns estudantes queriam saber mãe sobre Elis Regina, o que os convidados responderam com entusiasmo. No final do encontro, que se estendeu um pouco, o dois autografaram seus livros. Segue abaixo a entrevista com a curadora Gisele Corrêa Ferreira.


ENTREVISTA: GISELE CORRÊA FERREIRA (CURADORA DA FLIPOÇOS, EMPRESÁRIA LUSO-BRASILEIRA E EMPREENDEDORA CULTURAL)


Esquina da Cultura – Como foi produzir uma edição com tantas temáticas, tantos convidados e que seguramente  pretende ser a maior edição do Flipoços? Quanto foi o orçamento final do festival e quais foram as dificuldades de captar? 


Gisele Corrêa Ferreira – O Festival segue uma linha temática, que neste ano é a Crônica. Mas como um dos mais diversos festivais literários do Brasil, o Flipoços não se limita somente ao tema central, mas segue uma linha de pluralidade cultural, diversidade de tema e ecletismo de ideias. Então neste sentido, o nosso Festival é agregador e pensado para beneficiar todos os tipos de públicos. Trazemos convidados de várias áreas para mover as pessoas e que possam se despertadas pelo gosto da leitura. O orçamento este ano, por incrível que pareça, foi o mais baixo de todos os anos. A captação é sempre a pior parte de tudo isso (não revelou o valor captado).


Esquina – Em relação a uma programação tão diversificada e tão extensa, como foi montá-la? Como o tema central do Flipoços orientou os convidados e as temáticas das mesas? Como foi a abertura do evento e esses primeiros dias do festival? Como está de público?


Gisele – A programação é sempre pensada para atender a grande maioria dos públicos. A estruturação dela é feita de forma compartilhada com editoras, livrarias, cocuradores, pessoas comuns e apaixonados pelo Flipoços. Os dois primeiros dias foram surpreendentemente fantásticos e o público compareceu em peso, mais uma vez confirmando a vocação natural de Poços de Caldas para a literatura, bem como, enfatizando este, como o principal evento turístico cultural da cidade. A abertura foi linda e prestigiada por inúmeras autoridades ligadas à cultura, como a do Luiz Galina, Diretor Regional do Sesc SP, reforçando os fortes laços “café com leite” entre o Estado de Minas e de São Paulo.


Esquina – Como é produzir um evento cultural dentro de um estado governado pela extrema direita? Isso dificulta a realização do evento? Que apoio vocês tiveram do governador do estado? E qual a participação da prefeitura de Poços de Caldas no evento? Ao longo dessas 19 edições, como foi a relação do festival com o estado e a prefeitura da cidade? A iniciativa privada é solícita em relação a um evento cultural, tendo a literatura, a palavra, como foco?


Gisele – Produzimos de forma meio órfãos. O Governo de Estado que poderia ajudar pelo menos através dos vales livros para os alunos das escolas da Rede Estadual, na última hora retirou o apoio. A prefeitura de Poços de Caldas, este ano por ser eleitoral não ajudou com nenhum centavo. E a iniciativa privada, salvo algumas empresas, algumas são alheias à nossa comunidade e não apoiam nada. Por aí, veja como conseguimos erguer esta Vila Literária maravilhosa. Puro amor, boa vontade, parceiras e muita fé.


Esquina – Como as pautas identitárias vêm orientando a linha curatorial nesses últimos anos? Como lidar com necessidade de representatividade e de destacar esses temas dentro da programação de um evento de literatura? 


Gisele – Como disse, somos um festival plural e desde nossa primeira edição valorizamos e incluímos a todos. Para nós este nunca foi um problema, exatamente, por estarmos atentos a todas as formas de pensamentos e artes.


Esquina – Quais são os números do Flipoços no ano passado; número de convidados, público presente e orçamento? Vocês dirigem uma empresa de eventos culturais. Como é realizar os outros eventos? E como isso ajuda a fazer o Flipoços?


Gisele – O Flipoços em 2023 estava exatamente passando pela transição para darmos este salto realizando a 1ª Vila Literária de Minas Gerais. Por isso, nossa base de cálculo, será mesmo a nesta edição de 2024. Somos uma empresa de 35 anos realizando projetos culturais e eventos científicos. Ao longo, realizamos nossos próprios eventos e na área cultural, realizamos ainda o Poços É Jazz – Literatura e Jazz, lado a lado, que além de grandes shows do gênero, ainda promove encontros literários com escritores, músicos e artistas da área musical do Brasil.


Esquina – Como a cidade de Poços de Caldas abraça o festival? E a importância de um evento literário numa cidade fora da capital? Como o festival ajuda a incrementar o turismo local? 


Gisele – Poços [de Caldas] é uma cidade com vocação literária desde seu lançamento. O Flipoços veio para consolidar esta vocação e hoje é o maior projeto turístico cultural da cidade e da região.


Esquina – Como vocês chegaram ao tema central do Flipoços, a crônica no dia a dia? O Brasil teve excelentes cronistas. Como a crônica é importante para mostrar a complexidade de um país tão diverso e problemático socialmente? 


Gisele – A crônica remete a um momento de contemplação, de observação e do devagar, por isso, o desacelerar pode nos propiciar mais oportunidades de estar com os outros e prestar atenção nos momentos e no dia a dia.


Esquina – Como as outras áreas da cultura entram no Flipoços? Como se dar esse diálogo? 


Gisele – A literatura como a mãe de todas as artes permite esta transversalidade. E o Flipoços talvez seja o pioneiro no Brasil a proporcionar a abertura a todas as formas de artes inseridas em um mesmo festival literário.


Esquina – Três grandes nomes da literatura estarão presentes, dois vivos e outro in memorian; Inácio de Loyola Brandão, patrono do Flipoços, Ruy Castro e a homenagem merecida a Nélida Piñon. Comente sobre esses três nomes e como vocês pensaram a participação deles nesta edição? 


Gisele – Sim, são três grandes referências da Literatura Brasileira e que mais uma vez, o Flipoços tem a honra de destacar. Loyola, foi nosso primeiro convidado há 19 anos e deu muito valor à nossa iniciativa naquele momento. Isso foi determinante para que outros escritores acreditassem naquele “festival neófito”. De lá para cá, o Flipoços foi conquistando seu espaço e hoje atingiu este reconhecimento nacional. O Ruy Castro está vindo pela primeira vez e temos certeza, que ele levará daqui as melhores recordações. E quanta a “minha” Nélida, que foi uma amiga muito querida e próxima, receberá mais um reconhecimento aqui no Flipoços. Ele foi Patronesse do Festival em 2013.


Esquina – Num país com tantos problemas sociais e econômicos, como a literatura pode ajudar a decifrar tanta complexidade? A literatura serve para quê?


Gisele – A literatura é libertadora. Neste sentido e pelo Brasil ser tão gigantesco, a literatura é um apoio ao conhecimento dos regionalismos e das dificuldades que as regiões diversas enfrentam. Isso ajuda a nos compreendermos melhor.


 

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