Estreia da Netflix da última sexta-feira, 20, o suspense espanhol O Poço começa com uma premissa bem simples e já vista em histórias como O Expresso do Amanhã e Silo. Nela, Goreng (Ivan Massagué) acorda numa prisão vertical. Não sabemos nada dele, nem do companheiro de sela Trimagasi (Zorion Eguileor). A única coisa clara é que a vida ali não é nem um pouco fácil.
Afinal, a prisão é dividida por níveis, que aparentemente vão do 1 ao 200. Por sua vez, os administradores do local mandam um grande banquete por dia aos prisioneiros. No nível 1, o banquete está intacto. No dois, um pouco comido. No 50, quase acabado. No 100, nem restos mais são encontrados na mesa. Durante um mês, essas pessoas terão que se virar sozinhas.
A mensagem que o filme busca contar é clara: a solidariedade, no ser humano, não surge naturalmente. Mesmo sabendo que porções certas, na medida, permitiriam que outros colegas comessem melhor, os prisioneiros se esbaldam. Comem o máximo possível. O diretor Galder Gaztelu-Urrutia mostra, com violência, a que ponto o ser humano pode chegar. É bizarro.
Dessa maneira, O Poço serve quase como um estudo social. Afinal, o que somos além de prisioneiros num sistema que nos alimenta? E nós, por sua vez, alimentamos os que estão em camadas abaixo? E esses, por sua vez, alimentam as camadas mais abaixo ainda, até não sobrar nada. Capitalismo é isso. Sobrevivência ao máximo, garantindo o seu, e esquecendo do próximo.
É como diz o roteiro: " são três tipos de pessoas: as que estão no topo, as que estão no fundo e as que caem". O Poço se dedica a mostrar esses vários tipos, essas várias estranhas naturezas.
Há até um estranho paralelo com o que o mundo está vivendo hoje, em tempos de pandemia e quarentena forçada. Muitas pessoas não encontram um mísero fraco de álcool em gel no mercado, enquanto pessoas ao seu lado estão levando todo o carregamento -- provavelmente para lucrar em cima. É o ser humano em sua essência, ativando o egoísta modo de sobreviver.
O que significa o final do filme?
Depois de estabelecer bem a mensagem do filme, de maneira pouco sutil, chega a hora de concluí-la. Para isso, Goreng se une a um outro prisioneiro, Baharat (Emilio Buale Coka), e decide enviar de volta uma panna cotta aos administradores. Isso, na lógica deles, daria um indicativo de que foram solidários de maneira natural, sem forçar nada, e que o desafio ali foi vencido.
No entanto, após ultrapassar o nível 300 (!), Goreng e Baharat se deparam com uma garotinha. E entendem que, ao contrário da panna cotta, ela é a mensagem. A mensagem que vai mostrar aos administradores de que há humanidade entre eles. Afinal, mesmo com fome e desesperados, preservaram a integridade e a vida daquela garotinha. Ela, apesar de tudo, vive.
É a tentativa de mostrar aos mais altos da pirâmide -- de novo num metáfora pouco sutil sobre o capitalismo -- a face de quem está por baixo. Há pessoas boas, há pessoas inocentes. Será que não poderia haver um outro sistema? Será que não poderia ser resolvido para que os pequenos, indefesos, possam comer? Será que não há uma solução coletiva para que todos sejam felizes?
Além disso, conforme sugeriram leitores, a menina pode ser um convite, uma provocação para que os administradores talvez pensem numa nova educação para as novas gerações. Um convite para a mudança. A menina é a chave da transformação.
O Poço não responde as perguntas. Pelo contrário: é um final aberto bem confuso e atrapalhado, com uma fotografia exageradamente escura e cenas de sonho em demasia. Mas o que importa está ali. A mensagem foi plantada. O mensageiro -- no caso, Goreng -- enviou a garota e, depois, se entregou à morte. Fica à deriva, sozinho no poço dos rejeitados, esperando que as coisas mudem de vez.
Simbologia de ‘O Poço’
Indo para além da análise narrativa e de “primeiro nível” de O Poço, podemos encontrar interpretações ainda mais curiosas e interessantes para o que se desenha neste filme de Gaztelu-Urrutia. Por exemplo: que tudo ali é, na verdade, metáforas sobre religião.
Goreng, afinal, assume o papel de um messias. Ele se sacrifica pela criança com o intuito de mostrar a esperança, representada na figura da criança inocente, para um Deus imaginado. A administração, aliás, não poderia ser nada além do Todo Poderoso. Eles dão tudo do bom e do melhor às pessoas, na quantidade exata, e a humanidade trata de destruir.
Aliás: a esperança está no fundo do poço da humanidade. É preciso ir até lá pra achar algo.
E sendo Deus a administração, o nível zero, não poderíamos deixar de interpretar os níveis subterrâneos como espécies de círculos do inferno. Ali, as pessoas passam por provações, experimentam pecados e vivem sua humanidade ao máximo. Por isso Goreng, o messias, quer passar por todos eles. Quer levar a sua palavra, seus ensinamentos.
Inclusive, os números dos andares não são à toa. São 333 níveis, com duas pessoas em cada. Seriam 666 demônios ali, presos? 666 exemplificações do inferno?
E a leitura de Dom Quixote? Confesso que não peguei o que queriam passar com isso, apesar de ter levantado algumas hipóteses. Tem alguma ideia sobre isso? Deixe nos comentários! Vamos debate e enriquecer a nossa experiência com o filme O Poço.
Eu enxerguei o fato de Dom Quixote ser o objeto de escolha do Gureng como uma descrição da propria personalidade dele, visto que tanto o protagonista do livro quanto ele misturam realidade com fantasia - visto q ele constantemente conversa com o espírito de quem ele comeu-, se intitulando, inclusive, como heroi da propria historia, por meio das alucinacoes e suas crenças religiosas. Percebi também diversas alusoes ao conceito de antropofagia cultural - lembro pelo movimento brasileiro, mas devem haver outros- , que traz como conceito consumir ideias antigas na intenção de construir algo novo com elas. No filme, isso aparece tanto em momentos que Gureng parafraseia o Trimagasi para os outros, quanto em situacoes que o Trimagasi referenc…
Acredito q o livro representa o próprio personagem, mostra que um ser humano culto e bem de vida está disposto a ajudar o próximo e provavelmente só a educação salva.. Mas os comentários de muitos aqui mostra a realidade do ser humano. Como dizer q o socialismo não daria certo se nunca foi maioria no mundo, aliás, nunca foi nem 1% , o q existiu foram algumas ditaduras q se declaravam tal, mas nunca agiram como. Defender o sistema q hj se encontra, só mostra a realidade q é o filme , o ser humano não tão nem aí pro próximo.
É um filme com diversas nuances, o qual podemos interpretar de múltiplas maneiras. Ainda assim, as críticas ao sistema capitalista são bem vazias. Por mais que seja injusto, o fato é que não há outra alternativa viável, pois o socialismo, como a história já nos ensinou, é muito mais letal e corrosivo.
Pra mim a menina não existiu , foi fruto da imaginação do moribundo protagonista , única e exclusivamente pela cena em que o chefe crítica todos os cozinheiros exatamente pela mesma terra cota (coincidência) , dentro da mesma cristaleira. Procurando até por um fio de cabelo. Ou seja , não só a garota era alucinação , uma de muitas que o protagonista teve , como a sobremesa voltou e a "tal" mensagem não serviu de nada , dado que o chef achou que não foi comida a "terra cota" pq tinha problemas no preparo como "cabelos"...ou seja , o ponto zero , de preparo dos alimentos,é outro alheio a situação , pois acha que aquelas pessoas vão se importar com…
Pr