ATENÇÃO: Este texto, é claro, está recheado de spoilers significativos sobre a trama de 'Midsommar'. Não quer saber nada antes do filme? Então salve o texto e volte depois.
Midsommar está chegando aos cinemas brasileiros repleto de expectativas. Afinal, é o segundo filme do cineasta Ari Aster, que foi revelado no excepcional Hereditário. Em seu novo longa-metragem, o diretor volta a trazer elementos demasiadamente humanos misturados com rituais místicos e, até mesmo, folclórico. Assim, há mais significados obscuros, embrenhados na história de Aster, do que parece em um primeiro momento.
Abaixo, o Esquina faz um tour pelos significados principais do longa-metragem. Confira:
O que significa a história?
Em uma camada superficial, Midsommar é o retrato de uma viagem bizarra por uma comunidade na Suécia. Afinal, Dani (Florence Pugh) acaba se tornando a única sobrevivente do grupo que a acompanha. O namorado Chris (Jack Reynor) é queimado vivo, Mark (Will Poulter) é transformado num homem de palha e Josh (William Jackson Harper) chega a ter uma de suas pernas plantadas num vaso. Mas, é claro, Midsommar é bem mais do que uma viagem estranha, violenta e perturbadora.
É preciso pensar, antes de tudo, na trajetória de Dani. Ela começa o filme num momento ruim, quando descobre que os pais e a irmã morreram. Ela está em processo de luto e tendo que conviver com um namorado que parece de saco cheio do relacionamento. Não a quer acompanhando seus amigos na viagem para a Suécia e parece não dar a força necessária no processo de luto. Há um vazio entre os dois que parece não ter mais chance alguma de ser preenchido. É um relacionamento fadado ao fracasso, ao seu fim.
A viagem à comunidade na Suécia, assim, é a metáfora perfeita para o processo interno que vive a personagem. Ela, afinal, está sem família e num relacionamento abusivo, fadado ao fracasso. O local, assim, traz a iluminação necessária para a personagem -- até mesmo literalmente. Ela é acolhida, encontra uma nova família. Saí de um momento frio, triste e distante para o calor, o verão, a primavera. Há um processo de destruição para a reconstrução. Ela mata o passado para, enfim, viver o seu presente e seu futuro.
Aliás, o próprio diretor Ari Aster estava passando por um término de relacionamento quando escreveu o filme. “Eu encontrei uma maneira de unir o filme com a minha separação. Além disso, queria escrever algo do gênero de horror folclórico", disse o cineasta para o Insider. "Esta foi uma das coisas mais pessoais que eu já escrevi".
Mas como isso aparece na trama?
São vários os momentos que exemplificam o processo de redescoberta interna de Dani. Primeiramente, Ari Aster logo trata de mostrar como Chris é um personagem insensível. Há símbolos espalhados por todo o canto, indo desde os quadros na parede, da série Dinoassholes, até a forma como ele reage ao luto da namorada. Ela grita, chora e sofre, enquanto Chris encara o futuro de maneira estática, quase congelada, sem reações emocionais. Algo que entra em conflito com uma cena que veremos adiante.
Dani também vai mostrando sinais de que está despertando. Possui uma reação diferente à de seu namorado quando usa uma droga, não possui a mesma visão sobre os rituais encenados pelos moradores da vila. Ambos estão fora de sintonia, distantes. As runas em suas vestes também trazem significados. Dani tem em seu vestido a runa R, que indica o início de uma jornada, caminhada. Ou, melhor, o seu despertar. Já Chris usa a runa da seta, que mostra a necessidade de sacrifício do homem na sociedade.
A separação é, enfim, oficializada quando Dani passa a enxergar os outros moradores da comunidade como sua família. Eles dão o suporte que Chris, o namorado, não deu em momento algum do luto. E como isso é representado? Lembra a cena em que o namorado fica em silêncio? A antítese disso acontece na cena em que a protagonista vê o rapaz fazendo sexo com outras mulheres. Ela grita, chora, sofre. Outras mulheres, ao mesmo tempo, a envolvem, gritam juntas em uníssono. É o acolhimento que ela precisa.
Mas o que significam aqueles rituais macabros?
Agora você deve estar se pensando: ok, a Dani se sentiu acolhida, encontrou apoio e deixou seu passado para trás. Mas o que foram todas aquelas mortes? O fogo, o urso?
Pra começar, vale dizer que o incêndio naquela cabana significa a queima do passado e das memórias de Dani. Ela deixa as coisas que a atormentam para trás, abraçando um novo presente. A maioria das mortes possuem vínculos com a cultura escandinava e germânica. Algumas mortes, além disso, são representações de torturas vikings -- como a do rapaz que está sem a pele, preso em ganchos, mas com a respiração regular.
Depois disso, há a catarse do filme. Dani está se sentindo pertencente àquela família. Está, como nunca, aconchegada. Chris, enquanto isso, está atordoado. Encontrou o rapaz com os pulmões de fora, foi drogado, transou com a mulher enquanto uma anciã empurrava seu bumbum (pois é, nunca se esqueça dessa parte!). E ainda descobre que pode fazer parte de um sacrifício humano. Nove pessoas precisam ser mortas. Oito já foram. Agora, falta uma. Ele ou um rapaz qualquer da vila, escolhido ao acaso, na sorte?
Dani, consagrada como a Rainha de Maio, tem o poder da escolha. Ela, finalmente, pode dar fim ao relacionamento com a morte de Chris. E, ainda, ser acolhida ainda mais. É claro, não há dúvidas na sua escolha. Ela opta pela morte de Chris. É o fim do seu passado atormentado, triste, frio, sombrio. É o começo do verão com chamas, que limpam aquela pirâmide amarela que representa o passado da personagem. Chris veste a pele de urso por ser a representação de todos os males da comunidade. É o fim.
"Ela está mudando de um relacionamento co-dependente [com Chris] para outro [relacionamento co-dependente] até o final do filme. É como a família co-dependente definitiva ", disse o diretor Ari Aster ao site norte-americano Insider, acrescentando que isso pode não ser totalmente ruim para a protagonista do filme. "A linguagem deles é empatia, e Dani é um personagem que precisa desesperadamente de alguma empatia".
Mas e o urso? E o homem de palha? E as flores? E a cabana amarela? E todo o resto?
Caro leitor, queria eu ser Ari Aster para ter todas essas respostas. O fato é que toda a trama é baseada na cultura nórdica. Há elementos fortes do folclore -- como as gravuras espalhadas pelo filme e que revelam plots da trama -- e até da cultura viking, como as já citadas torturas. Especificamente sobre os símbolos usados na cabana, que representa o passado em chamas da protagonista, há interpretações folclóricas por aí.
O urso, por exemplo, é um animal pouco encontrado em registros culturais na Escandinávia. Na clássica história de Beowulf, porém, o urso é retratado como um tipo de totem do mal. Ele representa as principais maldades que circundam uma pessoa, uma comunidade, um exército e coisas do tipo. Faz sentido para a trama de Dani.
Há relatos, também, de sacrifícios humanos na história de formação da região nórdica, assim como é verdadeiro o ritual do solstício de verão. Ari Aster fez extensas pesquisas sobre isso e as inseriu dentro de sua intrincada e complexa trama de horror.
E o resto? Não vou enrolar você, leitor, dizendo que sei e dar significados vazios. O fato é que há mais coisas a serem descobertas em Midsommar. E essa é a magia do cinema: entrar na mente de uma outra pessoa para tentar entender o que ela quis dizer. Faz você pensar diferente, conhecer outras culturas. Se você souber mais sobre estes pontos, escreva nos comentários. Vai ser ótimo saber sua visão sobre este ótimo filme.
O filme me fez pensar e o conectar sobre outra perspectiva não tão óbvia mas muito atual. O cenário de uma comunidade de pessoas que vive num lugar que parece perfeito onde há harmonia e conexão na forma de pensar e nas tradições e rituais, cuja oposição ou tentativa de fuga é punida com o sacrifício cruel da vida. Este lugar mais parece o mundo virtual paralelo, formado pelas comunidades e pelas redes onde a maioria da sociedade atual prefere viver experiências que simulam a realidade, mas que reproduz e multiplica a maldade. A morte muitas vezes praticada de forma espontânea no filme tem seu paralelo com o cancelamento e exclusão praticadas no mundo virtual A falta de diversidade, contrapont…