ATENÇÃO: Este texto, é claro, está recheado de spoilers significativos sobre a trama de 'Campo do Medo'. Não quer saber nada antes? Então salve o texto e volte aqui depois.
Campo do Medo é o terceiro filme fruto da parceria entre Stephen King e Netflix -- o primeiro foi o bom Jogo Perigoso e, depois, o instável 1922. Não é de todo ruim. Possui alguns problemas de roteiro e a fotografia, por mais que seja bonita, tem momentos de escuridão total. Mas a direção de Vincenzo Natali (do provocante Cubo) tem alguns arroubos de criatividade e a história cativa por conta de suas nuances metafóricas.
E se você não entendeu, não tem problema. Aqui abaixo explicamos um pouco mais sobre as possíveis interpretações dessa misteriosa história de Campo do Medo:
Sobre o que ela diz?
O filme começa com dois irmãos (Becky e Cal, interpretados por Laysla De Oliveira e Avery Whitted) na beira de uma estrada para que a moça, que está grávida, possa vomitar. E neste momento que os dois escutam uma criança pedindo socorro, diretamente do matagal que circunda a rodovia. E eles nem pensam duas vezes: já param o carro numa igreja ali do lado e entram no matal para salvar o pequeno.
É aí que o filme começa a mostrar situações e imagens típicas de King -- e de seu filho, Joe Hill, que também escreveu Campo do Medo. Os dois irmãos, assim como a família que estava presa ali, entram num looping temporal desesperador. Eles se perdem, se reencontram, morrem, entram novamente no matagal. Matagal este, aliás, que está mais para um labirinto cruel do que uma plantação qualquer de beira de estrada.
A partir daí, os dois irmãos, a família (que tem o ator Patrick Wilson como patriarca) e um ex-namorado de Becky começam a se enrolar nessa bagunça temporal de morte e vida. Como sair dali com vida? Como escapar das bizarrices e morte certa do matagal?
Qual a metáfora que ancora essa história?
O grande ponto de partida para compreender Campo do Medo está na Igreja e na relação intrínseca dela com o campo que a permeia. Repare bem: ali, quando as famílias estão perdidas, começa-se a ser criado um culto ao redor da mitologia presente na pedra. É algo, aliás, que lembra um pouco o que foi visto em O Nevoeiro, um filmaço adaptado de um conto de King. Afinal, a partir daquela organização social caótica, forma-se ordem.
E a ordem, aqui, é a religião imposta pelo personagem de Patrick Wilson (Invocação do Mal). Rapidamente, ele é "absorvido" pelos ensinamentos da pedra e passa a pregar, violentamente, suas convicções nas outras pessoas perdidas por ali. Ora, há uma metáfora nessa relação: é um homem (Wilson), que diz ter contato direto com o divino (pedra), e serve como âncora da salvação para esse grupo de pessoas perdidas por aí.
É um pouco o papel de um padre, pastor ou o que quer que valha. Muitas vezes, eles agem instintivamente para arrebanhar as pessoas que estão "perdidas" -- e que, muitas vezes, são apenas pessoas tentando encontrar uma ordem no caos que é a vida e a sociedade. Relação que, por vezes, chega a ser um tanto quanto violenta, visceral e até exige sacrifícios -- aquela cena do bebê de Becky é uma referência à redenção.
Mas e o cachorro? E a pedra? E os homens-planta?
Assim como falamos no texto explicativo de Midsommar, é praticamente impossível encontrar respostas para tudo -- até o filme Mãe!, que o Esquina conversou com Darren Aronofsky, foi possível de ser totalmente compreendido. Há um palpite sobre o cachorro conseguir transitar entre realidade que é a "teoria Coraline". Lembra do gato da menina no livro de Neil Gaiman? Ele transita entre as duas realidades propostas ali na história.
Freddy, aparentemente, possui o mesmo tipo de habilidade. Ele transita entre fendas.
No entanto, não dá para ir além na história da pedra e dos homens-planta -- além do que a pedra serve como uma bíblia e de que os homens-planta são outras pessoas que, agora, fazem parte do culto naquele matagal. Mas o significado profundo daquele culto, daquelas pessoas, daquela pedra, daquelas inscrições? Talvez só King ou outra pessoa com criatividade mais acurada possa responder. Por enquanto, a religião nos basta.
Mas não deixe de escrever seu comentário sobre o filme. O que achou? O que entendeu?