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Amilton Pinheiro *

Filme 'Torre das Donzelas' arrebata a plateia no Festival de Brasília


No primeiro dia da mostra competitiva de curtas e longas metragens, o Festival de Brasília viveu em muitos anos uma das suas maiores catarses com a exibição do documentário Torre das Donzelas, de Susanna Lira. O longa fala sobre presas políticas que dividiram as celas do presídio de Tiradentes, em São Paulo, durante o regime militar, que ceifou vidas e esperanças de quem decidiu lutar contra ele.

A história dessas mulheres é retratado de forma excepcional no documentário da diretora, que por meio de dispositivos cinematográficos diversos, como cenografia recriada, docudrama, som e de relatos comoventes, conseguiu recompor a memória voluntariamente esquecida desse grupo de mulheres que passaram pelas celas daquele presídio, entre elas, a ex-presidenta de República, Dilma Rousseff.

A diretora engenhosamente usa esses dispositivos com maestria, com destaque para a utilização do som que recupera por meios de grades sendo trancadas, pingos de água caindo nas bacias, gritos de mulheres e todo tipo de ruído que denotava a violência daquele cárcere infernal.

Como o presídio de Tiradentes foi demolido nos anos 1970, a diretora refaz parte das celas e escadarias do lugar num galpão, usando como referência os desenhos que cada uma das prisioneiras faz num quadro negro daquele lugar. Como a memória do que fica do passado é algo muito particular de cada um, os desenhos que elas fazem diferenciam um do outro. Mas o que importa é a memória coletiva do que representou aquele encarceramento e de como elas sobreviveram ao horror dos dias em que passaram lá.

E para contar o horror e de como elas sobreviveram a ele, a diretora coloca um grupo dessas mulheres, hoje avós, naquelas celas reproduzidas, e grava as conversas entre elas. Se no primeiro momento, os relatos pontuam as torturas e sofrimentos vividos, no segundo, as histórias vão ganhando outros significados e contornos, mostrando a capacidade criativa que elas estabeleceram para suportar tudo aquilo, inclusive humanizando com esperança e alegria aqueles dias vividos.

Esses depoimentos, ora fruto das conversas entre elas, ora dos relatos individuais que cada uma dar a diretora, e de como eles são tecidos dentro do documentário, transformam-no num dos mais poderosos relatos audiovisuais sobre aquele período, uma das mais tristes páginas da nossa história, como diria Chico Buarque em Vai Passar.

Aquelas mulheres tiveram que ressignificar suas vidas naquele presídio, e de lá saíram mais fortalecidas como seres individuais e coletivos, sujeitos de suas vidas e do mundo em volta. Como bem revela Dilma Rousseff em seu depoimento. “Eles não conseguiram nos vencer, não nos dobraram. Terminamos vencendo todos eles”.

O filme causou tanto impacto no público e em grande parte da crítica presente, eu me incluo nesse rol, que fica difícil escrever sobre os outros filmes que passaram ontem à noite; os curtas Boca de Loba, de Bárbara Cabeça (CE). e Kairo, de Fabio Rodrigo (SP), por sinal, bem irregulares, e o sensível longa Los Silencios, de Beatriz Seigner, que falarei amanhã.

Em momentos de tensão política que vivemos, com recrudescimento da ultra direita reacionária e do seu representante-mor Jair Bolsonaro, não podemos baixar a guarda. Agora é hora de ficar atentos aos sinais, sinais estes mostrados no arrebatador Torre das Donzelas.

Termino o texto, com um trecho da música Vai Passar, que Chico Buarque lançou em 1983, um dos hinos nascedouros das Diretas Já, e que diz muito dos tempos violentos de polarização que vivemos hoje, e dos que viveram aquelas “Mulheres de Atenas” do documentário Torre das Donzelas.

“Num tempo/Página infeliz da nossa história/Passagem desbotada da memória/Das nossas novas gerações/Dormia/A nossa pátria tão distraída/Sem perceber que era subtraída/Em tenebrosas transações...”

* O repórter viajou a convite da organização do Festival de Brasília

 
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