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Foto do escritorAmilton Pinheiro

Festival de Gramado: Premiação reconhece ousadia e domínio técnico


Premiação de 'Carro Rei' em Gramado (Crédito: Edison Vara)

Em primeiro lugar, cabe destacar o trabalho da curadoria da 49ª edição do Festival de Cinema de Gramado em relação a escolha dos sete longas da mostra competitiva brasileira. Contemplou a diversidade do cinema nacional, com seus temas urgentes e identitários, em especial a racial e a de gênero, apostaram em novos realizadores e em diretores mais experientes, criativos e ousados.


Como, por exemplo, a pernambucana Renata Pinheiro com seu filme alegórico e provocativo sobre o Brasil atual, Carro Rei, eleito pelo Júri Oficial como o melhor filme desta edição. Além do baiano Aly Muritiba, melhor diretor por Jesus Kid, um filme de gênero que atesta um domínio e apuro de linguagem e de dramaturgia pouco visto no cinema nacional, uma espécie de O Grande Hotel Budapeste (2014), do diretor americano Wes Anderson.

Mas, o mais importante, selecionaram filmes com temas mais universais e existenciais, e, portanto, menos urgentes, ainda que nem tanto. É o caso do próprio Jesus Kid, sobre um escritor de livros de western que não consegue mais fazer sucessos com o seu personagem mais importante. A Primeira Morte de Joana, de Cristiane Oliveira, que faz um retrato intimista e denso das descobertas de uma adolescente, entre elas, a sua própria condição de mulher, no interior do Rio Grande do Sul.


Enquanto em Álbum em Família, de Daniel Belmonte, uma trupe de atores, durante a pandemia de Covid-19, decide ensaiar um dos clássicos de Nelson Rodrigues, Álbum de Família, cada um de suas casas, se comunicando por chamadas de vídeo e mensagens de WhatsApp, num instigante exercício de adaptação de um texto teatral para o cinema com seus dispositivos sendo dessacralizados com muito humor, leveza e criatividade.


E, por último, A Suspeita, de Pedro Peregrino, que atualiza o gênero policial, reduto de personagens masculinos, para o universo de uma agente policial envolvida em uma investigação e apresentando os primeiros sintomas iniciais de uma demência.


Vencedores do Festival de Gramado


Em um Brasil mergulhado em uma das mais sérias crises institucionais, com os ataques constantes de um governo de extrema direita, Carro Rei reflete de forma emergencial sobre o tema com muita coragem e ousadia. Por isso, a Júri Oficial acertou ao dar o prêmio máximo do Festival de Gramado deste ano, o de melhor filme, além de prêmios técnicos importantes que ajudaram a criar um universo distópico e kitsch em pleno agreste pernambucano (melhor trilha sonora, desenho de som e direção de arte).


Apesar de problemas no roteiro, na direção de atores e nas fragilidades dramatúrgicas em núcleos importantes da trama, o filme de Renata Pinheiro, dentre os concorrentes, foi o que mais gerou discussões, reflexões, críticas positivas e matérias na imprensa, mesmo que em grande parte a força do longa venha da interpretação visceral e sem limites de Matheus Nachtergaele, que não teve medo do risco iminente de compor um Zé Macaco com um hibridismo entre o naturalismo e uma espécie de cyber-símio-homem.


Errou feio o Júri Oficial, que premiou Nando Cunha num desempenho mediano, num papel de coadjuvante, em um filme de interpretação coletiva e coral de O Novelo, de Claudia Pinheiro, mesmo que tenha tido o mérito de trazer um elenco majoritariamente de atores negros em uma história que foge dos estigmas usuais da violência e da pobreza. Se fosse para premiá-lo, caberia na categoria de coadjuvante, mas aí errariam mais uma vez com outro ator, o que venceu, Leandro Daniel Colombo, impecável em Jesus Kid.

E o que fez o Júri Oficial, para não ficar feio na fita, foi dar ao ator Matheus Nachtergaele um prêmio de consolação, que soou insosso, mesmo sendo o Prêmio Especial do Júri, com a seguinte justificativa: “pela construção e domínio do personagem e pela brilhante capacidade de se reinventar”.


Faltou personalidade aos integrantes do Júri, que poderiam ter cravado em algum dos outros dois atores que mereciam o prêmio, caso Nachtergaele fosse preterido, Chico Díaz, preciso e humano em Homem Onça, de Vinícius Reis. Foi um dos filmes injustiçados na premiação, que só não saiu de mãos abanando por conta da vitória merecida de Bianca Byington no belo trabalho de atuação.


E ainda tem Paulo Miklos, na pele de um escritor em crise de criação, que se isola num hotel depois de ser contratado para escrever um roteiro de um filme. Miklos faz uma composição minimalista e sem afetação e empresta ao seu personagem uma ambiguidade entre o traço caricatural e a naturalidade desleixada, dando um humor refinado e sem estardalhaços, especialmente quando ele passa a ser visitado pelo personagem de quadrinhos que criou, o Jesus Kid.


Assim como na edição do ano passado, o Festival de Gramado apresentou filmes mais diversos, densos e menos mediáticos, potencializado o verdadeiro papel de um evento de cinema, ainda mais num dos momentos mais críticos do setor, que é de fomentar, divulgar e refletir sobre sua produção, especialmente a atual.


Filme de encerramento


Mas não se pode encerrar esse texto sobre um balanço e a premiação da 49ª edição do Festival de Cinema de Gramado sem citar a exibição do filme de encerramento, que aconteceu na sexta-feira, 20, Fourth Grade, de Marcelo Galvão, que há cinco anos mora nos Estados Unidos, e fez um remake do seu primeiro longa Quarta B, realizado no Brasil, em 2005.


Uma nota importante aqui: Marcelo Galvão é uma espécie de diretor queridinho do festival. Dois dos seus longas foram exibidos e premiados em Gramado. Colegas, o Filme, de 2012, teve a proeza de vencer, na categoria de melhor filme, o primeiro longa de Kleber Mendonça Filho, que rodou o mundo com ótimas críticas por onde passou, O Som ao Redor, motivo de espanto até hoje no meio, e A Despedida, de 2014, lhe conferiu o Kikito de melhor diretor. Ou seja: é um diretor pé quente no Festival de Gramado.


Mesmo que o filme fosse excelente, qual a justificativa de exibir um filme produzido e falado em inglês num dos piores momentos que vive o cinema brasileiro? Para piorar a decisão de exibi-lo no encerramento do festival, o longa Fourth Grade é um amontoado de clichês, sem ritmo, sem humor, e com uma história pífia. Nada funciona nesse filme que trata de uma reunião de pais de uma escola americana por conta de um acontecimento envolvendo os filhos deles. A trilha que tem a infeliz missão de dar humor aos diálogos que beira o insuportável, é um tormento e um ruído desnecessário, o que torna tudo enfadonho. Teria sido melhor exibir um filme brasileiro inédito, que não entrou na seleção competitiva, ou um dos clássicos do cinema nacional. Segue lista de todos os premiados abaixo:

CONHEÇA OS VENCEDORES DO 49º FESTIVAL DE CINEMA DE GRAMADO

CURTAS-METRAGENS BRASILEIROS

Melhor Filme - A Fome de Lázaro, de Diego Benevides Melhor Direção - Fábio Rodrigo, por Entre Nós e o Mundo Melhor Ator - Lucas Galvino em Fotos Privadas Melhor Atriz - Tieta Macau em Quanto Pesa Melhor Roteiro - Marcelo Grabowsky, Aline Portugal e Manoela Sawitzki, por Fotos Privadas Melhor Fotografia - Rodolpho Barros, por Animais na Pista Melhor Montagem - Caroline Neves, por Entre nós e o Mundo Melhor Trilha Musical - Eli-Eri Moura, por Animais na Pista Melhor Direção de Arte - Torquato Joel, por A Fome de Lázaro Melhor Desenho de Som - Breno Nina, por Quanto Pesa Melhor Filme pelo Júri Popular - Desvirtude, de Gautier Lee Melhor Filme pelo Júri da Crítica - Entre Nós e o Mundo, de Fábio Rodrigo Prêmio Especial do Júri - Fábio Rodrigo, por Entre Nós e o Mundo por responder de forma consciente em termos estéticos, afetivos e narrativos, a pergunta “Como falar da dor da perda e ainda ter esperança?”. Menção honrosa da Comissão Julgadora para os curtas brasileiros vai para o filme A Beleza de Rose, de Natal Portela, por fazer um delicado recorte da vida de muitas mulheres negras no nordeste do Brasil. Prêmio Canal Brasil de Curtas - A Beleza de Rose, de Natal Portela

LONGAS-METRAGENS ESTRANGEIRO

Melhor Filme - La Teoría De Los Vidrios Rotos, de Diego Fernández Pujol Melhor Filme Júri Popular - La Teoría De Los Vidrios Rotos, de Diego Fernández Pujol Melhor Filme pelo Júri da Crítica - Planta Permanente, Ezequiel Radusky Prêmio Especial do Júri - Pela abordagem de temas tão presentes em nossa sociedade, que refletem as consequências de um sistema corrompido e afetam diretamente os valores humanos; e pelas interpretações das protagonistas femininas que representam a força das mulheres latinas em nosso cinema. O Júri de Longas-metragens estrangeiros do 49º Festival de Cinema de Gramado decidiu conceder o Prêmio Especial do Júri ao filme Planta Permanente, de Ezequiel Radusky.

LONGAS-METRAGENS GAÚCHOS

Melhor Filme - Cavalo de Santo, de Carlos Eduardo Caramez e Mirian Fichtner Melhor Direção - Gilson Vargas, por A Colmeia Melhor Ator - João Pedro Prates, por A Colmeia Melhor Atriz - Luciana Renatha, Alexia Kobayashi e Veronica Challfom, por Extermínio Melhor Roteiro - Carlos Eduardo Caramez, por Cavalo de Santo Melhor Fotografia - Bruno Polidoro, por A Colmeia Melhor Direção de Arte - Gilka Vargas e Iara Noemi, por A Colmeia Melhor Montagem - Joana Bernardes e Mirela Kruel, por Extermínio Melhor Desenho de Som - Gabriela Bervian, por A Colmeia Melhor Trilha Musical - Cânticos Sagrados dos Orixás preservados pelos Terreiros gaúchos e Alabê Oni, por Cavalo de Santo Melhor Filme pelo Júri Popular - Cavalo de Santo, de Carlos Eduardo Caramez e Mirian Fichtner

LONGAS-METRAGENS BRASILEIROS

Melhor Filme - Carro Rei, de Renata Pinheiro Melhor Direção - Aly Muritiba, por Jesus Kid Melhor Ator - Nando Cunha, em O Novelo Melhor Atriz - Glória Pires, em A Suspeita Melhor Roteiro - Aly Muritiba, por Jesus Kid Melhor Fotografia - Bruno Polidoro, por A Primeira Morte de Joana Melhor Montagem - Tula Anagnostopoulos, por A Primeira Morte de Joana Melhor Trilha Musical - Dj Dolores, por Carro Rei Melhor Direção de Arte - Karen Araújo, por Carro Rei Melhor Atriz Coadjuvante - Bianca Byington, por Homem Onça Melhor Ator Coadjuvante - Leandro Daniel Colombo, por Jesus Kid Melhor Desenho de Som - Guile Martins, por Carro Rei Melhor Filme pelo Júri Popular - O Novelo, de Claudia Pinheiro Melhor Filme pelo Júri da Crítica - A Primeira Morte de Joana, de Cristiane Oliveira Prêmio Especial do Júri para Matheus Nachtergaele, em Carro Rei, pela construção e domínio do personagem e pela brilhante capacidade de se reinventar. Menção honrosa para Fernando Lufer, Michel Gomes, Victor Alves, Kaike Pereira, Pedro Guilherme e Caio Patricio por seu talento e potência em O Novelo. Menção honrosa para Isabél Zuaa pela bela e impactante atuação em O Novelo

 

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