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Amilton Pinheiro *

Festival de Brasília 2017: Brilho parcial na noite de estreia


O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro fez a tão aguardada abertura de sua 50ª edição na noite de ontem, 15, com direito a atrasos, cerimônia longa e um apoteótico “Fora Temer” da plateia. O protesto político surgiu após uma deixa do ator Mateus Nachtergaele, que surgiu no meio do público falando sobre o que representava os 50 anos do mais tradicional e político festival do País, que começou em 1965, mas que teve três edições canceladas pela ditadura militar nos anos 1970.

O ator terminou no palco citando o primeiro nomes de alguns artistas que fizeram parte da história do Festival de Brasília: Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Vladimir Carvalho, Fernanda Montenegro, Suzana Amaral, Claudão (Cláudio Assis), Zezé Motta, Os Walters (Carvalho e Salles), entre tantos outros. Depois colocou o ramalhete de flores, que trazia em uma das mãos, no chão, e tirou do bolso da calça a terra avermelhada de Brasília e passou pelo rosto. Era um gesto simbólico de guerra contra não só ao atual presidente Michel Temer, mas ao descaso com a cultura no País, como a dizer: “Não vamos desistir, vamos resistir”. Ao descer do palco, falou o “Fora Temer”, contagiando o público que lotava a sala do Cine Brasília, que se levantou bradando o “Fora Temer” aos gritos.

Coube aos atores Juliano Cazarré e Dira Paes conduzirem a cerimônia, que prestou uma homenagem póstuma a três diretores “brasiliense” falecidos recentemente: Marcio Curi, Manfredo Caldas e Geraldo Moraes, com a exibição de três curtas -- curtíssimos -- sobre eles. Mas o grande homenageado da noite foi Nelson Pereira dos Santos, que ganhou a Medalha Paulo Emílio Salles Gomes, entregue por Vladimir Carvalho e Jean-Claude Bernardet a um filho e uma neta do cineasta, que não pôde ir ao festival.

Logo em seguida foi exibido o curta Nelson Filma – O Trajeto do Cinema Independente no Brasil, de Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, feito em 1971, sobre o início da trajetória do diretor de filmes seminais como Rio 40 Graus e Vidas Secas.

Antes da exibição do filme de abertura, Não Devore Meu Coração!, de Felipe Bragança, se prestou uma última homenagem da noite, a um dos idealizadores do Festival de Brasília, o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977), com a exibição do curta Festejo Muito Pessoal, de Carlos Adriano, com imagens de filmes brasileiros antigos que dialogam com um artigo homônimo de Paulo Emílio escrito no ano de sua morte, em 1977.

Até aquele momento, apesar do atraso e do andar das horas, o público estava atento, acompanhando as justas homenagens, e esperando o filme de abertura do festival, como acontece todos os anos. Parte do elenco e da equipe do longa Não Devore Meu Coração! subiu no palco para fazer a apresentação, entre eles, um dos protagonistas da história, Cauã Raymond, e o diretor Felipe Bragança. O que ninguém esperava é que o filme, com passagens por festivais internacionais importantes como Sundance, fosse tão morno, com parte do público saindo durante a projeção.

Uma fábula moderna que acontece numa zona fronteiriça, entre Brasil e Paraguai, sobre o despertar de um amor proibido entre dois jovens, uma índia paraguaia e um jovem branco brasileiro. O filme é baseado em dois contos do escritor Joca Reiners Terron, que o diretor, Felipe Bragança, resolveu juntar numa única história. A outra é de uma gangue de motoqueiros também de lados opostos que disputam espaço num lugar a esmo entre os dois países.

Apesar de juntar bem as duas histórias, o diretor não consegue dar sentido a sua fábula moderna, ao falar de dois povos herdeiros da Guerra do Paraguai (1864-1970), que dizimou mais da metade da população de homens do lado de lá. Cauã Reymond faz o irmão mais velho do jovenzinho apaixonado (Eduardo Macedo), o motoqueiro que disputa espaço nas estradas com a outra gangue de rapazes paraguaios, o líder deles, namorado da jovem indiazinha.

O diretor opta em contar a história de forma fabular, mas não imprime alma a um enredo recheado de sentimentos despertados e conflituosos revelados através de signos. Outro ponto vulnerável do longa é a atuação de parte do elenco, principalmente dos dois jovens atores, perdidos na maior parte do tempo buscando compor seus personagens. O expectador não consegue se encantar -- coisa que deveria acontecer, já que se trata de uma fábula, com a história de amor e guerra.

Fica a sensação de distanciamento com a história, com os personagens, como se o simbolismo entranhando que o filme carrega não pertença a ninguém e não precise ser decodificado. No final, o expectador percebe que não somente o personagem do jovem branco perdeu o coração, mas também a alma.

* Amilton Pinheiro é enviado especial do Esquina da Cultura para o Festival de Brasília

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