No último domingo, 7, o grupo vocal MPB4 encerrou uma série de três shows no SESC Vila Mariana, em São Paulo, sobre a Ditadura Militar que afetou o Brasil entre os anos de 1964 e 1985. No show, que teve roteiro e repertório escrito e selecionado por Aquiles Reis, integrante do grupo, o MPB4 faz um panorama sobre as canções da época que foram vetadas ou que sofreram, no mínimo, algumas alterações em sua estrutura antes de serem liberadas pelos censores.
Com o nome de "Você corta um verso, eu escrevo outro", o show ganhou um cenário pensado para este espetáculo: no palco, apenas os instrumentos e um conjunto de quatro mesas, que imitavam o local de trabalho dos censores da Ditadura. Além disso, o poder do cenário era potencializado por um belo espetáculo de luzes -- como é de costume nas apresentações do grupo -- e por ter imagens relacionadas ao tema passando ao fundo: capas de discos da época censurados e fotos de pessoas violentadas pelos militares.
No entanto, o grande ponto alto não estava no cenário ou nas luzes. Estava no vasto e excelente repertório selecionado pelo grupo, que impressionava pelo já costumeiro timbre calibrado e de sincronia difícil de ser reproduzida. Na abertura do espetáculo, o grupo já arrematou o público com as inesquecíveis Para não dizer que não falei das flores e Cálice -- de Geraldo Vandré e de Chico Buarque, respectivamente. Em seguida, mostrou não ter preconceito com gêneros, nem com cantores.
Afinal, o grupo não apresentou apenas músicas de Vandré e Chico, como já é de costume quando há resgates musicais desta época. Adoniran Barbosa, Genival Lacerda e até Odair José estiveram dentre as canções relembradas. Impagável, aliás, quando o conjunto cantou o clássico samba Tiro ao Álvaro, de Adoniran Barbosa, com os versos alterados de acordo com a censura dos militares: ao invés de cantar "De tanto levar frechada do seu olhar/Meu peito até parece sabe o quê? Tauba de tiro ao Álvaro/ Não tem mais onde furar", o MPB4 cantou "De tanto levar flechada o seu olhar/ Meu peito até parece sabe o quê?/ Tábua de tiro ao alvo/ Não tem mais onde perfurar". Exemplo prático da falta de noção dos militares censores.
Todas as canções se tornavam ainda mais fortes por um fato simples, mas significativo: o MPB4 explicava, antes de cada música, o que tinha acontecido com cada canção e o motivo para ela ter ido para no espetáculo. Difícil ouvir a música Roda Viva, de Chico Buarque, ao saber que o grupo teatral que ia interpretar a peça de mesmo nome foi espancado e preso antes da apresentação de estreia. Ou, ainda, que Severina Xique Xique, de Genival Lacerda, não foi censurada por algum militar, mas sim pela própria classe média da época.
O único erro do espetáculo, talvez, tenha sido ignorar a obra de Caetano Veloso e, principalmente, de Belchior, falecido neste mês. Coroar o show com Como Nossos Pais teria sido emocionante e extremamente importante. Uma pena. No entanto, nada tirou o brilho do espetáculo, que ainda finalizou com Acorda, Amor e O Bêbado e a Equilibrista. Todas fortes e emocionantes.
E, é claro, não deixaram de interpretar Pesadelo, música com os versos que deu nome ao espetáculo. Além de ter uma história interessante (foi aprovada após Paulo César Pinheiro enviar a música como se fosse outra canção de Agnaldo Timóteo), ela tem versos impactantes e que servem ainda para os dias de hoje: "Vamos por aí eu e meu cachorro/ Olha um verso, olha o outro/ Olha o velho, olha o moço chegando/ Que medo você tem de nós, olha aí."
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